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Neurodesenvolvimento

Primeira Infância: como a neurociência explica a importância da fase para o desenvolvimento humano

As experiências vividas nos primeiros anos de vida são capazes de moldar os sentimentos na fase adulta

A Primeira Infância é responsável por determinar comportamentosA Primeira Infância é responsável por determinar comportamentos - Foto: Pexels

O que é preciso para ser um adulto feliz? Há uma canção que diz que “Felicidade é só questão de ser”. Mas, apesar de ser um sentimento subjetivo, ser feliz na vida adulta pode estar muito relacionado às experiências vivenciadas na infância. Isso porque, conforme explica a neurociência, uma trajetória infantil marcada por situações positivas costuma resultar em um adulto mais seguro e feliz, ao passo que uma primeira infância marcada por situações negativas pode resultar em traumas e adversidades ao longo da vida.

De acordo com a psicóloga e neurocientista Anna Lucia Campos, umas das principais especialistas do País na área de neurociência e desenvolvimento infantil, inclusive com ampla atuação internacional, a plasticidade do cérebro humano nos primeiros anos de vida é capaz de moldar características que se tornarão duradouras.

“Nesses primeiros anos de vida, nós falamos que se está construindo a arquitetura cerebral, estamos construindo muitas e muitas conexões no cérebro do ser humano que vão ser responsáveis por funções não somente para etapa da infância, mas senão para toda uma vida. Então, na Primeira Infância, nós aprendemos, desenvolvemos habilidades de fundamental importância, como habilidades sociais, habilidades emocionais e habilidades cognitivas, habilidades físicas. E essas habilidades que a gente desenvolve na Primeira Infância corrrespondem a essa neuroplasticidade do cérebro, essa capacidade plástica do cérebro, que tem para transformar-se a si mesmo”, disse.

anna camposAnna Lucia Campos, neurocientista - Foto: Divulgação

“Na primeira infância ocorre um crescimento no desenvolvimento do cérebro que não vai voltar a dar em nenhuma outra etapa. Esse processo do desenvolvimento cerebral é importante, mas também é importante o meio em que essa criança vive, os insumos que ela tem, as pessoas que estão ao redor dela, porque sendo esse cérebro tão plástico, ele vai se modificar em função ao meio", continuou.

"Como o sistema nervoso está se construindo e o cérebro está se construindo, as experiências que ele vai viver na primeira infância vão deixar uma marca e muitas vezes uma marca indelével nesse processo de desenvolvimento humano. Se a experiência é negativa, por exemplo situações de maltrato, situações com qualquer tipo de abuso, negligência, vão modificar o cérebro sim de forma negativa. Essa neuroplasticidade do cérebro é como uma moeda de duas caras, tem a parte positiva e a parte negativa, dependendo da experiência, da frequência, da intensidade, da qualidade, a gente pode modificar o desenvolvimento desse cérebro e o comportamento desse ser humano para o resto da vida. Então, o que somos nós em outras etapas começou lá nos primeiros anos de vida na infância”, acrescentou.

Coautora do livro “Primeira Infância: Um olhar desde a neuroeducação”, publicado pela Organização dos Estados Americanos (OEA), Anna Lucia destaca que, com base em comprovações e evidências científicas, a forma mais eficaz de se trabalhar o processo de desenvolvimento infantil é, justamente, olhar a criança como um todo, unificando, por exemplo, áreas como educação e saúde.

“Durante essas últimas décadas, a criança está sendo olhada desde diferentes abordagens, a nível de saúde, a nível de educação, a nível de assistência, a nível de proteção, mas o que nós na atualidade estamos fazendo advocacia, estamos movendo para uma nova abordagem, um novo movimento pela Infância, para a gente conseguir olhar a criança como um todo. A gente não pode separar essa criança em fragmentos, como saúde, educação, assistência, proteção, nós temos que olhar a criança como um todo”, disse.

Toda a atenção necessitada pela Primeira Infância, ressalta, justifica-se porque são durante os primeiros anos de vida que as crianças possuem a chamada janela de oportunidades, período em que o aprendizado é potencializado e as conexões cerebrais ocorrem de forma intensa.

“Nos primeiros anos de vida, como o cérebro necessita de determinados estímulos para se construir, ele está altamente sensível às experiências, está sensível às experiências sensoriais, altamente sensível às experiências emocionais, sociais, cognitivas. Quando ele está altamente sensível a essas experiências, que chamamos de períodos sensíveis, nós temos a possibilidade de construir uma organização neurobiológica fantástica, ou seja, nós temos janelas de oportunidades abertas para esse desenvolvimento cerebral. Então, essas janelas de oportunidades são os melhores estímulos, as melhores experiências, para esse cérebro que está se construindo e que está altamente maleável, altamente influenciável pelas experiências”, comentou.

Socióloga e especialista em Neuroeducação e Primeira Infância, Danielle de Belli reforça a importância desses anos iniciais para a formação das crianças, com reflexos que permanecerão na vida adulta .

“Já foi constatado que 90% das conexões cerebrais acontecem na Primeira Infância. Nesse período, como é a parte mais sensível, coisas vivenciadas positiva ou negativamente têm mais influência no processo de desenvolvimento humano. Porque o processo de aprendizagem vai continuar ao longo da vida, o cérebro continua aprendendo, mas é nesse período, de 0 a 6 anos ou de 0 a 8 anos, que as coisas são mais moldadas. E a felicidade na fase adulta tem relação porque se você tem um conjunto de ações na família enquanto criança, ações de cuidados, de compreender a criança como sujeito de direitos, não é como um adulto em miniatura mas como um sujeito em si, e em si só, e compreender que a criança aprende brincando, aprende com os afetos, os vínculos, isso se reflete ao longo do tempo”.

Ações desenvolvidas pelas famílias e também nos ambientes educacionais podem propiciar a formação de um adulto integralmente saudável, aliando aspectos físicos e mentais.

Danielle de BelliDanielle de Belli, socióloga - Foto: Paullo Allmeida/Folha de Pernambuco

“É preciso possibilitar atenção à saúde, à nutrição, ao afeto, ao direito a brincar. As cidades precisam criar respostas para as crianças terem espaço para brincar, como parques e praças, para terem contato com a natureza. A creche deve ter uma lógica de educação infantil de cuidados e observar tudo que a ciência já tem colocado sobre o processo de desenvolvimento da criança, então as políticas públicas precisam observar isso e esse processo todo vai se dar naturalmente. As famílias devem cuidar das suas crianças dando afeto, vínculo, escutando, porque você tem a questão motora, mas tem também o emocional, o cognitivo, o social”, analisou.

“A ciência vem trazendo evidências muito claras de que nós precisamos olhar esse ser humano como um todo. Existem seis dimensões que a gente tem que cuidar, que a gente tem que estimular, para não esquecer que a criança tem que se desenvolver como um todo [Veja as dimensões no infográfico]. Quando a gente entende os fatores biológicos e os fatores contextuais, a projeção de fazer um trabalho excelente com a infância é muito alta. Quando você une a evidência científica com a prática, com a educação profissional e também com a família, você pode modificar o início da vida dessa criança. Existem muitos programas que funcionam que são programas em que você explica para os adultos que essa dimensão social pode interferir no bom desenvolvimento cerebral. Eu defendo muito que a gente não leve receitas para as escolas nem para as creches, mas que a gente leve formação, construção de competências, construção e habilidades, para que essa prática seja construída em uma comunidade de aprendizagem”, reforçou Anna Campos.

Diretor do Instituto Primeira Infância Plantar Amor (PIPA) e colunista do Blog Papo de Primeira da Folha de Pernambuco, Rogério Morais enfatiza a importância de um olhar e um compromisso conjunto articulado entre entes públicos, empresas privadas e sociedade para garantir um desenvolvimento infantil saudável.

rogerio moraesRogério Morais, diretor do Pipa - foto: Divulgação

“A gente acredita que todo mundo precisa fazer sua parte e precisa fazer sua parte junto, numa espécie de pacto. Então, o poder público precisa priorizar, isso significa canalizar recurso, canalizar orçamento, com investimentos para a primeira infância. Entender que isso é investimento e que está provado cientificamente, economicamente, que traz retorno para o estado. As empresas privadas precisam entender que para a gente acelerar um desenvolvimento mais sustentável, elas também precisam fazer a parte dela, com a comunidade, com o entorno, com as adjacências nos territórios onde elas atuam, mas também com os funcionários, com os colaboradores. E a sociedade, a sociedade civil organizada, o terceiro fator, tem papel também para canalizar isso, para despertar essa pauta dentro das empresas, para fazer essa pauta surgir de forma articulada entre governos e empresas, para essa pauta ser trabalhada em alguns territórios com mais agilidade”, analisou.

Em 2023, inclusive, o Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE-PE) escolheu a Primeira Infância como tema prioritário, o que significa que os municípios do Estado deverão se comprometer com políticas públicas voltadas para a área. A iniciativa, aliás, vai ao encontro dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs) estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) para a Agenda 2030 e que perpassam temáticas ligadas à Primeira Infância.

“A questão da Primeira Infância tem muita transversalidade, na saúde, na educação, na engenharia, no meio ambiente. A gente viu um baixo investimento nos três níveis: no Governo Federal, estaduais e municipais. São quase mínimas as políticas públicas que têm recursos, que têm financiamento, para efetivação dessas políticas. Então, a gente começou a trabalhar buscando sensibilizar os governos porque é quase completa a ausência de financiamento. Em alguns municípios, por exemplo, não tem nem orçamento definido para a Primeira Infância. E não tendo financiamento, não tem política pública”, frisou o presidente do TCE-PE, Ranilson Ramos.

ranilson ramosRanilson Ramos, presidente do TCE-PE - Foto: Divulgação/TCE-PE

Um dos compromissos firmados pelas prefeituras é a elaboração, nos próximos seis meses, de um plano municipal pela Primeira Infância. Caso o município já possua tal planejamento, eles o enviarão para apreciação da corte. Ramos defende, ainda, a criação imediata de um Fundo Nacional para a Primeira Infância, com modelo de gestão tripartite (Governo Federal, Estaduais e Municipais), à semelhança do Sistema Único de Saúde (SUS). “Eu vou apresentar essa proposta no próximo fórum nacional que nós tivermos sobre a Primeira Infância”, disse.

Prefeito da Cidade do Recife, João Campos destaca que a Primeira Infância é uma das áreas prioritárias do município.

“A Primeira Infância é prioridade em nossa gestão desde o primeiro dia que assumimos, quando colocamos esse tema no centro de diversas ações promovidas pela Prefeitura do Recife. As ações que são realizadas no Recife são transversais e envolvem diversos eixos e secretarias, desde ações de Saúde e Educação, como os programas como Mãe Coruja e ampliação de vagas em creches, a intervenções urbanísticas, com a adaptação de espaços públicos às necessidades das crianças, como o Parque das Graças”, pontuou.

No início de abril, aliás, a prefeitura inaugurou, no bairro da Encruzilhada, a primeira unidade Praça da Infância. Mais duas estão previstas para serem entregues nos próximos meses, uma no bairro de San Martin, com previsão de entrega para julho, e outra no Compaz Miguel Arraes, na Madalena, com obras prestes a serem iniciadas.

Prefeito do Recife, João CamposJoão Campos, prefeito do Recife - Foto: Hélia Scheppa/Divulgação/PCR

“A Praça da Infância é um projeto que deu certo desde o primeiro momento. É satisfatório ver as pessoas utilizando e se apropriando desse espaço urbano em todos os horários. É um espaço que combina natureza, brincadeiras e as tradições culturais do Recife, envolvendo as crianças com a cultura local, unindo os elementos construídos e a paisagem aos desafios do brincar, que atendem a todas as crianças e estimulam a diversão e o aprendizado”, completou o prefeito.

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