Programa Atitude favorece abstinência de usuários de drogas
Pesquisa sobre a iniciativa revela abstinência e proteção contra ameaças durante o tratamento
Miriam vai morrer se voltar ao bairro da Várzea, na Zona Oeste do Recife. A família pagou quatro quintos da dívida de R$ 2,5 mil que ela contraiu com traficantes, mas o risco de ser assassinada não diminui enquanto o valor não for totalmente quitado. Atualmente, aos 34 anos, é beneficiária do Programa Atitude, do Governo do Estado.
Ela reflete números de pesquisa da UFPE sobre participantes do programa, lançada nesta terça-feira (2) na Faculdade de Direito do Recife. Quase 80% vê segurança dos centros contra ameaças de morte. Outro dado é que 38% dos usuários entrevistados atingiram a abstinência. Uma estatística da qual Miriam orgulhosamente participa.
O cigarro foi a primeira droga experimentada, como é para 35% dos pesquisados. Mas a maconha foi mais significativa. O namorado ofereceu enquanto enrolava um baseado na escola, depois da aula. Ele foi morto por traficantes. Ela construiu a ponte para o crack. Com loló, cola, cocaína e mesclado. “Depois veio a perda do amor-próprio e pelos outros”, lembrou.
Sob o comando do vício, roubou e vendeu o corpo, chegando a ser presa por 1 ano e 6 meses. “Mas nada se compara a perder minhas filhas. É por elas que estou lutando para sair daqui e me manter limpa. A de 16 teve depressão. As duas vivem com tios.”
Para a assistente social Geyse Ferreira, estas questões familiares são as mais influentes para a abstinência. “No Programa cuidamos de problemas de saúde e Justiça, mas reatar laços familiares é ainda mais importante. Muitos parentes desistem, não entendem como doença. Mas quando vamos atrás deles, entendem que o usuário está tentando melhorar”, disse.
Foi esse esforço que levou Miriam a ter contato com a família novamente. Também por causa do programa, começa a trabalhar na semana que vem. Vai, com o marido, viver em uma casa de aluguel, monitorada pelo Programa durante seis meses. Depois, devem seguir os próprios passos.
“Com a mesma lógica, família e trabalho precários ou inexistentes são também os problemas que mais fazem o consumo começar”, avaliou Geyse. É o caso da beneficiária Isabela, 31. Aos 14, viveu com o irmão mais novo, de 9. Ela cuidou dos dois depois que a mãe, a avó e o irmão mais velho morreram. O crack foi consequência inevitável. Sem apoio de familiares, vê no filho de um ano a necessidade pungente de parar com o consumo. “Estava gestante de 6 meses quando comecei. Já estava na casa de aluguel, mas usei a droga de novo”, contou. Sem trabalho, acredita que um curso de informática melhoraria as chances. “O trabalho preencheria o vazio que a droga tenta.”
O desemprego em 90% da amostra estudada pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em Criminalidade (Nesp), responsável pela pesquisa, é um dos grandes entraves da recuperação. “É uma política pública que enxerga o usuário de crack como cidadão antes que ele deixe a droga. É inovador a nível internacional. É muito significativo para a segurança pública e em termos sociais”, opinou um dos coordenadores da pesquisa, o psicólogo Rafael West.