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Receita apreende R$ 2 milhões em metanfetamina no Galeão com passageira vinda do México

Droga tem aparecido com mais frequência em apreensões no Rio

Receita Federal apreende 10 kg de metanfetamina no Galeão Receita Federal apreende 10 kg de metanfetamina no Galeão  - Foto: Divulgação/ Receita Federal

A Receita Federal apreendeu 10 kg de metanfetamina no Aeroporto do Galeão, na Zona Norte do Rio, com uma passageira vinda do México, nesta sexta-feira.

Avaliada em R$ 2 milhões, a droga — conhecida como “crystal”, “tina” ou até “droga de rico” — tem aparecido com mais frequência em apreensões no estado, ainda marcado pelo domínio do crack, da cocaína e de outras substâncias.

Segundo o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime no Brasil, a droga é produzida em "larga escala" no México, que atua como polo estratégico de distribuição e pode incluir rotas de entrada para a América do Sul, considerada parte do "contexto global de expansão".

Segundo a Receita Federal, a passageira, que vinha de Cancún, no México, foi flagrada com a droga dentro de uma mala. O entorpecente estava armazenado em sacos plásticos transparentes e o teste preliminar indicou metanfetamina. Ela e a substância foram encaminhadas à Polícia Federal para os procedimentos judiciais. Ela responderá pelo crime de tráfico internacional de drogas.

A apreensão foi realizada em conjunto pela Alfândega da Receita Federal no Aeroporto do Galeão e pela Divisão de Vigilância e Repressão ao Contrabando e Descaminho da Receita Federal na 7ª Região Fiscal (RJ/ES).

 

Só no Galeão, entre 2023 e junho de 2025, a Receita Federal apreendeu mais de R$ 17,5 milhões em drogas sintéticas. Entre as substâncias estão metanfetamina, MDMA, ecstasy e as chamadas NPS (Novas Substâncias Psicoativas), categoria usada por organismos internacionais para definir drogas criadas em laboratório para imitar substâncias já conhecidas, mas que ainda fogem da legislação e têm efeitos pouco estudados.

Na semana passada, dois homens foram presos transportando oito quilos da metanfetamina, avaliados em cerca de R$ 4 milhões, na Rodovia Presidente Dutra, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. A operação, realizada pela Delegacia de Repressão a Entorpecentes da Baixada Fluminense (DRE-BF) e pela Polícia Rodoviária Federal (PRF).

Expansão da metanfetamina no Brasil
Segundo a ONU, o tráfico de metanfetamina continua se expandindo globalmente, com maior presença no Oriente Médio, Norte da África, América do Norte e Leste e Sudeste Asiático, responsáveis por quase 80% das 482 toneladas apreendidas em 2023. A produção em larga escala permanece concentrada em polos estratégicos, como México na América do Norte, Mianmar no Sudeste Asiático, Afeganistão e países vizinhos no Sudoeste Asiático, além da República Checa e Países Baixos na Europa.

No Brasil, o documento indica que, apesar de os números de apreensão ainda sejam menores que na Ásia e América do Norte, a região faz "parte do contexto global de expansão da metanfetamina".

O World Drug Report (WDR) 2025 aponta que o uso global de anfetaminas, incluindo a metanfetamina, atingiu 30,5 milhões de pessoas em 2023. O relatório destaca a expansão do mercado de drogas sintéticas, impulsionada por baixos custos e maior acessibilidade, além da emergência de mercados locais de produção e distribuição, que aumentam o acesso e os riscos associados.

O que é a metanfetamina?
A metanfetamina age diretamente no cérebro, aumentando os níveis de dopamina e noradrenalina. A droga é um pó branco e, no caso da que foi apreendida nesta quarta, estava escondida em pacotes que simulavam ser suplementos alimentares, pela semelhança com o aspecto da creatina.

Para o pesquisador Francisco Netto, secretário executivo do Programa Institucional de Apoio a Pesquisas e Políticas Públicas sobre Álcool, Crack e outras Drogas da Fiocruz, a metanfetamina já é uma substância consolidada em países como os Estados Unidos, mas no Brasil o cenário ainda é recente e cheio de incertezas.

— No Brasil ainda temos poucos registros, não há uma série histórica que mostre um uso relevante em termos de proporção. O que vemos hoje no Rio, por exemplo, são apreensões que indicam uma possível demanda maior, mas é uma coisa nova, ainda sem dados consolidados — explica Netto.

Droga cara e público mais jovem
Segundo o professor Paulo Telles, diretor do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Atenção ao Uso de Drogas da Uerj (Nepad), que oferece atendimentos gratuitos a pessoas com dependência, a presença da droga era pífia até pouco tempo:

— Curiosamente, em pouco menos de um ano e meio começamos a receber muitos pacientes com dependência nesta droga, principalmente jovens e de classe média alta. Esses usuários eram raros, agora há uma maior incidência — contou Telles.

Ao contrário das drogas mais comuns no Rio, a metanfetamina é uma substância de alto custo: o grama pode chegar a R$ 550, cerca de dez vezes mais caro que o da cocaína. Esse fator coloca o uso da droga em outro patamar, o das elites, motivo pelo qual ela também é chamada de “droga de rico”. Por isso, seu consumo tem sido observado principalmente entre jovens de classe média-alta, moradores de áreas nobres da cidade e frequentadores de festas privadas, onde a substância circula de forma discreta.

O perfil de consumo também chama atenção por sua versatilidade: a "tina" pode ser cheirada, fumada, ou injetada, oferecendo ao usuário estímulos intensos e prolongados. Como droga estimulante, ela proporciona aumento de disposição, confiança e sensação de superpoder, efeitos que funcionam como reforço positivo, incentivando o uso contínuo.

— Diferentemente da cocaína, comum no Rio, uma dose de metanfetamina tem duração muito maior, o que reduz a necessidade de consumo constante. Enquanto a cocaína exige uso repetido durante a festa ou a noite, a tina mantém seus efeitos por mais tempo, o que a torna mais atraente para esses grupos — explica Telles.

Para Telles, o crescente uso de metanfetamina entre jovens no Rio sinaliza uma tendência de expansão que exige atenção de autoridades, especialistas em saúde e serviços de prevenção. Pensando nisso, o Nepad vem estudando alternativas para melhor atender à demanda, buscando referências de estratégias adotadas em outros países e adaptando-as à realidade local.

A prática do 'chemsex' e uso em festas
O consumo no Rio, segundo o Telles, que lida diretamente com os dependentes do sintético, está frequentemente ligado a contextos de festas e uso sexual, conhecido como "chemsex", prática de utilizar substâncias químicas durante relações sexuais. Muitos jovens relatam ao Nepad que, à medida que aumentam a frequência do uso, passam a somente frequentar festas ou ter relações sexuais sob efeito da droga, criando uma rotina dependente e compulsiva.

— Com o tempo, os usuários desenvolvem tolerância, e sem a droga o corpo “não funciona”: a sensação de energia e euforia só ocorre sob efeito da tina, e a vida cotidiana passa a depender da substância. Eles se sentem como super-homens. A pessoa se envolve em uma rotina centrada na droga, perde a capacidade de funcionar sem ela e acaba comprometendo o equilíbrio da vida social, profissional e sexual — conta Telles.

Além dos efeitos positivos percebidos pelos usuários, a metanfetamina apresenta riscos severos à saúde. Conforme o especialista, ela diminui o apetite, oferece uma energia intensa, porém "vazia" e não saudável, e faz com que o corpo se desgaste rapidamente.

— Usuários acabam negligenciando cuidados básicos de saúde, alimentação e sono, entrando em um ciclo de consumo prejudicial. O uso injetável adiciona perigos ainda maiores: além do risco de contaminação e infecção decorrente do compartilhamento de agulhas, a pureza da substância é incerta, aumentando a probabilidade de efeitos graves — explica

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