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Setembro Amarelo: tratamento de distúrbios mentais inclui remédios, terapias e estilo de vida saudáv

Saúde do corpo e bem-estar devem ser vistos de forma integrada. Quarta e última reportagem da série sobre o Setembro Amarelo mostra que é possível controlar e superar a dor

Há dois anos Luiza Padilha, 22, segue tratamento para transtorno bipolar Há dois anos Luiza Padilha, 22, segue tratamento para transtorno bipolar  - Foto: Léo Malafaia/Folha de Pernambuco

Diretamente ligada ao humor, à visão de mundo e à própria sensação de bem-estar, a mente é uma parte do corpo que, mantendo os cuidados necessários, sustenta o organismo tanto quanto os órgãos, músculos e ossos. A saúde mental influencia a saúde fisiológica e vice-versa. Da mesma forma que muitas das doenças “físicas”, como câncer, diabetes, hipertensão e alguns tipos de infecção, os distúrbios psicossomáticos, que são aqueles afetados pelo psicológico, nem sempre têm uma “cura” definitiva que faça desaparecer os sintomas por completo.

Assim como é um mito o ideal de que todo mundo deve se sentir feliz o tempo todo, a preservação da saúde mental constitui um processo diário, que envolve prevenção com hábitos saudáveis. Dessa maneira, é possível superar ou controlar a dor e voltar à rotina.

Ter essa noção é importante num contexto em que cada vez mais pessoas buscam tratamento para transtornos psicossociais. De acordo com o último Mapa Assistencial, publicado em julho pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), entre 2011 e 2018, o número de atendimentos psiquiátricos em clínicas particulares no País cresceu 63%, de cerca de 3 milhões para 4,9 milhões.

Nesse período, as sessões com psicólogos tiveram um salto ainda maior: 146%. Foram de 7,1 mi para 17,5 milhões. O crescimento é expressivo mesmo levando em conta o aumento no número de usuários de planos de saúde, que passou de 46 milhões para 47,3 mi. O levantamento não trouxe dados por estado ou região, que poderiam indicar a dimensão da assistência em saúde mental na rede privada em Pernambuco.

Para o psiquiatra Frederick Lapa, do Núcleo de Atenção à Saúde do Estudante (Nase) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e da Sociedade Pernambucana de Psiquiatria, esse aumento de demanda pode ser reflexo de um estilo de vida com uma rotina cada vez mais acelerada e estressante, mas também pode indicar que a população está mais consciente da importância de se cuidar da saúde mental, vista por muito tempo como “coisa de doido”.

“O estigma existe, mas vem declinando. Há 20, 30 anos, se você fosse procurar um psiquiatra, ia com muito mais cuidado. Hoje, em alguns quadros como depressão e pânico, as pessoas conseguem falar com naturalidade. Mas a resistência ainda existe e traz consequências para o sofrimento do paciente. E é muito comum as pessoas abandonarem o tratamento”, conta.

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Medicação
Um dos aspectos do tratamento psiquiátrico que acabam por afastar muitos pacientes é a prescrição de medicamentos, que atuam quimicamente no funcionamento do sistema nervoso e, por isso, na maioria dos casos, são de uso controlado. Assim, muita gente tem medo de perder a consciência. “O que se busca é a remissão total, o que inclui ausência de sintomas, bem-estar e a volta do paciente à funcionalidade. A eficácia do remédio varia em cada pessoa e de acordo com a gravidade do caso. Em geral, quem apresenta transtornos como depressão, ansiedade e pânico, por exemplo, retorna ao padrão normal de vida, podendo deixar de usar o remédio. Já em casos de doenças como esquizofrenia e bipolaridade, sendo crônicos, a prescrição pode ser necessária para a vida inteira”, explica o psiquiatra Frederick Lapa.

Existem medicamentos para os mais variados tipos de transtorno mental. Em geral, especialmente nos pacientes com sintomas de depressão e ansiedade, o remédio interfere na atividade dos neurotransmissores, que transportam sinais e estímulos entre os neurônios. O objetivo é equilibrar a transmissão de substâncias como dopamina e serotonina, que exercem influência sobre as emoções, o humor, os pensamentos, a energia e o senso de percepção. “Tem gente que chega a relatar: ‘Estou tomando um remédio que me deixa artificial, não sou eu’. Na verdade, não é isso. Salvo quando acontecem efeitos colaterais, a medicação faz a pessoa voltar ao padrão normal”, afirma o especialista.

Outro fator importante para o sucesso do tratamento é o cuidado que se deve ter com o consumo de drogas psicoativas, entre elas as bebidas alcóolicas. “O álcool tem um efeito bifásico. No primeiro momento, ele deixa a pessoa mais relaxada, descontraída. Depois, dá uma baixa, com efeito depressor. Quem tem depressão, pânico e, principalmente, transtorno bipolar é mais propenso à dependência química. E, além da toxicidade que prejudica o corpo, isso pode provocar comportamento agressivo e situações vexatórias [que agravam o mal-estar psíquico]”, atesta Lapa.

Melhoria de vida
Foi a partir de uma crise após uma prévia de Carnaval, em 2017, que Luiza Padilha, de 22 anos, decidiu procurar ajuda profissional. Com transtorno bipolar, a estudante de medicina lembra o processo que levou para chegar ao diagnóstico. Caracterizada por períodos alternados de depressão e euforia, em que há oscilações de humor e energia fora do comum, a bipolaridade é, muitas vezes, confundida com outros distúrbios, o que, no caso dela, prejudicou o início do tratamento.

“Eu sempre tive, desde criança, episódios depressivos. Fui percebendo que era uma coisa cíclica, obedecia a uma rotina. Uma vez por mês, normalmente depois de uma festa. E depois dessa prévia, que eu passei uma semana derrubada de não sair do meu quarto, vi que precisava [de ajuda]. Fui para um psiquiatra e meu primeiro diagnóstico foi de tensão pós-menstrual disfórica, uma TPM patológica. E comecei a tratar como depressão”, conta a universitária.

Apesar de algumas melhoras, principalmente depois que ela teve que parar de beber, a recuperação não foi total. “Tomava um antiepilético com efeito antidepressivo. Fiquei apática, não ficava de cama, mas continuava deprimida”, recorda. Depois disso, procurou outro profissional, que precisou trocar a medicação por mais duas vezes. “Meu terceiro esquema de remédios foi quando ele passou um antidepressivo com ansiolítico para dormir e um estabilizador de humor. Foi o que fez o diagnóstico [para bipolaridade]”, revela.

Hoje, com a doença controlada, Luiza terá que tomar os remédios provavelmente por toda a vida. Mesmo assim, nos dois anos de tratamento, foi possível diminuir a dose. O ansiolítico, que antes precisava tomar diariamente, só é necessário em episódios de ansiedade. Com os exames em dia e sem problemas no fígado, ela conta que não deixou de ingerir bebida alcóolica, embora tenha diminuído o consumo. Outro fator importante para manter a saúde foi a terapia.

“Um grande erro é largar a terapia quando a pessoa vê que o remédio dá um efeito legal. Tem que ter os dois, senão você não trata. A minha terapia foi que me fez repensar as coisas e observar quando ocorriam as crises”, diz. A jovem, que mora com os pais, o irmão e a cunhada, além de quatro cachorros e três gatos, no bairro do Rosarinho, Zona Norte do Recife, segue uma vida normal. “Eu faço dança clássica e contemporânea, que é uma terapia para mim. Exercício é essencial. Os cães me ajudam porque são uma segurança que eu tenho. Também medito e faço ioga”, conta.

Marise Matwijszyn.atende os pacientes com práticas integrativas

Marise Matwijszyn.atende os pacientes com práticas integrativas - Crédito: Léo Malafaia/Folhape

Saúde integrada
A saúde deve ser vista de forma integrada e, por isso, não existe mais essa visão de que um remédio ou método isolado faz o paciente se recuperar. Praticar exercícios, manter uma alimentação saudável e participar de atividades sociais também contribuem para o bem-estar psicológico. Uma opção são as terapias integrativas, que não substituem, mas complementam o atendimento médico tradicional. “São tratamentos da física, não atuam quimicamente”, explica a farmacêutica e terapeuta de Práticas Integrativas, Marise Matwijszyn.

A profissional atua no Serviço Integrado de Saúde (SIS), espaço mantido pela UFPE e Prefeitura do Recife no bairro do Engenho do Meio, Zona Oeste da cidade. Lá são oferecidas gratuitamente técnicas como reiki, aromaterapia, florais quânticos, acupuntura auricular, meditação, fitoterapia, homeopatia, massagens e escalda-pés. “As terapias são todas integradas e a gente conversa com o paciente para saber do que ele precisa. Para cada momento, vai o que é necessário”, diz. “O bem-estar mantém a vitalidade. Muitos dos medicamentos de saúde mental que estão nas farmácias foram feitos a partir do que está na natureza, onde encontramos muitos elementos que podemos usar como apoio. Erva-cidreira, por exemplo, colabora para um sono reparador”.

A contadora Isabel Teófilo, 48, acredita que teve uma grande melhora na qualidade de vida desde que começou a frequentar o espaço, há três meses. Enfrentando dificuldades financeiras e no relacionamento, ela passou a se sentir numa rotina mais estressante, o que a motivou a procurar o serviço. “Fui tomando consciência do que eu precisava melhorar e aprender como relaxar”, relata. Conciliando as atividades do mestrado em Gestão Pública, as responsabilidades do trabalho e de casa e a vida com os filhos, hoje sabe se organizar. “Este é o meu momento. Agora eu me sinto mais confiante para encarar as dificuldades”, ressalta.

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