Opinião

Uma entropia distópica do embate eleitoral

Na minha preocupação por definir titulos apropriados para o que escrevo (que bem o diga meu amigo Ismaelino, respeitado jornalista de Belém), deparo-me com situações que me exigem termos pouco comuns. Por isso mesmo, antecipo as explicações pela escolha de hoje.

Entropia é uma grandeza bastante utilizada na Mecânica e na Termodinâmica, que mensura o grau de desordem de um sistema. Quanto maior for a variação de entropia de um sistema, maior será o grau da desordem. Isso se traduz por menos energia disponível para ser utilizada. Por outro lado, ao contrário da utopia, a chamada distopia representa uma situação imaginária de considerável opressão, privação ou desespero. Juntemos as peças para a devida figuração.

Assim, revistos esses conceitos, meu objeto no texto é evidenciar um quadro que bem revele uma maldição comum aos embates eleitorais do nosso país. O fenômeno está representado na perda de uma valiosa energia humana, capaz de frustrar até as utopias mais realistas. Nada mais preciso que chamar isto de "entropia distópica", outra marca comum à nossa cena política.

Confesso que, às vezes, penso que a crença em contradições faz parte da inteligência política. Em nome da democracia, por exemplo, parece-me razoável recuar de algumas convicções para que, da capacidade de negociação, o vetor resultante possa ser algo de real interesse público. O bom ofício dessa "engenharia" representa também uma consciência respeitosa em nome da pluralidade, pois não há alquimia no campo das relações sociais que torne homogêneo o que por natureza é desigual.

Só que nem sempre é assim que "a banda toca". De fato, há momentos em que essas contradições, mesmo que contrariem as convicções mais evidentes, atuam como simples disfarces. Ou servem para impor os instintos recolhidos, daqueles mais ideologizados. Ou então,  agem para ratificar uma estratégia populista enganosa, só validada pelos que conseguem enxergar riscos de maldições. 

Nessas circunstâncias, apresento duas recentes e descabidas provocações políticas, que envolveram os dois líderes das pesquisas eleitorais. Nas entrelinhas, atitudes que só comprovaram a inconsistência de um embate eleitoral sem conteúdos. Se não na forma de planos de governo. Ou, pelo menos, na teilha de um velho discurso engrenado no aperto do botão "modo promessa". Nada disso. Os líderes têm seguido o rastro do pleito, guiados pelo exagero das firmes contradições que já lhes pautam.

Enquanto primeiro nas pesquisas, o candidato Lula oscila no abuso das palavras, por mais que a cena atual aponte para um palanque consensual e equilibrado. A tentativa de compor com um vice que sinalize para isso, termina por se contrapor em outros momentos, quando o olhar para a "bolha" que sustenta suas raízes leva o discurso para o extremo, repositório de um ideário inconsistente com a realidade. A prova disso foi a inapropriada defesa em romper com o teto dos gastos públicos, algo tão impregnado hoje no rigor constitucional quanto à tese original da responsabilidade fiscal. Um improviso que se mostra fragilizado em três direções:

a) por trazer de volta cenas do passado das primeiras gestões de Lula, quando depois de acatar a estabilidade econômica (era paz e amor), volta atrás e se entrega à orgia dos gastos sem lastros;

b) por contrariar os acordos políticos que levaram a candidatura para negociar com o centro, em respeito à pluralidade de ideias e aos princípios democráticos; e,

c) por contribuir na geração de mais instabilidades entre os agentes econômicos. 

Por sua vez, a candidatura do atual presidente reforça ainda mais o repertório das contradições desestabilizadoras. Suas decisões intempestivas com relação à PETROBRAS e às formas de lidar com os aumentos nos preços dos combustíveis, não representam apenas exercícios contraditórios. São também meras demonstrações de populismo gratuito, manobradas pela vontade de desviar do assunto e esconder a incapacidade de resolvê -los. Ameaçar com intervencionismos histéricos, fazer a dança das cadeiras nos cargos e simular uma privatização extemporânea são apenas iniciativas pirotécnicas. Por trás delas, contradições sobre um falso e claudicante liberalismo, além de muita inconsistência entre a convicção e a ação.

Entre tirar o foco dos problemas e fazer histerias para uma "bolha", mantida pela "dopamina ideológica", a candidatura governista segue seu trajeto de contradições.

Enquanto a cena eleitoral dos lideres repetem esse repertório duplo de incongruências, a realidade dos fatos pede por outras soluções. Só que a vaidade resistente noutras opções político-eleitorais ajuda ainda mais a sacramentar o país num ambiente de vácuo sem fim. Que haja tempo para que a energia preservada ainda possa ser canalizada para o que nos resta de utopia realista. 


*Economista e colunista da Folha de Pernambuco


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