Política

À espera de mudanças, Comissão de Anistia paralisa reuniões

A Comissão de Anistia está sem presidente e seus 20 conselheiros não se reuniram nenhuma vez neste ano para analisar os 12,6 mil processos que aguardam apreciação ou revisão, alguns há mais de dez anos.

A ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares AlvesA ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves - Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Enquanto a ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) prepara mudanças na comissão que reconhece a reparação às vítimas de perseguição política, as sessões e decisões do órgão estão paradas desde o final do ano. A Comissão de Anistia está sem presidente e seus 20 conselheiros não se reuniram nenhuma vez neste ano para analisar os 12,6 mil processos que aguardam apreciação ou revisão, alguns há mais de dez anos.

Em 2018, foram feitas 44 reuniões, entre turmas e plenário. Em carta à ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves, protocolada na quinta-feira (14), representantes dos anistiados pediram "a retomada imediata dos julgamentos". Eles solicitaram ainda a instalação da comissão, a nomeação dos conselheiros e do novo presidente e uma audiência com a ministra, com quem não conseguiram falar desde a posse dela.

Os anistiados escreveram que a ministra apresentou "boa vontade no trato do assunto", mas "está havendo uma reiterada manifestação em órgãos da mídia" com "aparência até de inveja, ódio, desejo de vingança, desejo incontrolado de punição perpétua, que não corresponde ao estado de direito e de segurança jurídica".

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"É comportamento próprio de militantes com desejos discricionários e antidemocráticos, de fantasias persecutórias, que ferem as instituições legais e de direitos humanos", disseram.

No novo governo, a comissão foi transferida do Ministério da Justiça para o de Damares. Na semana passada, a área técnica da comissão enviou à ministra a sugestão de um novo regulamento interno com pelo menos duas alterações.

A primeira delas é a determinação de um período de quarentena para os conselheiros que deixarem suas funções. A segunda é a redução da possibilidade de recursos, permitindo que se recorra apenas uma vez às decisões da ministra.

A estimativa é que, hoje, cerca de três mil processos estejam em fase de recurso, a maior parte deles relacionada a pedidos de militares e de participantes de greves. A comissão entende que, com a mudança, ganhará celeridade para analisar os casos.
A ministra pretende também mudar a composição dos conselheiros, dando posse a novos nomes, sobretudo da AGU (Advocacia-Geral da União), mas nenhum foi divulgado. Os conselheiros são voluntários, sem remuneração. O órgão apenas banca os custos com transporte e hospedagem para as reuniões.

A ideia é que a comissão também limite seu papel, a partir de agora, à análise dos pedidos, deixando de promover projetos de memória e reparação. A ministra também tem defendido, em conversas reservadas, que o órgão deveria ter um prazo para acabar, pois sua criação foi "temporária". Não está ainda definido, no entanto, se ela pretende estabelecer um prazo para o fim. Uma mudança nesse sentido só seria possível com uma aprovação pelo Congresso Nacional, pois levaria à mudança da lei atual.

Para os representantes de anistiados, uma interrupção dos trabalhos seria uma punição para uma multidão estimada entre 5 mil e 10 mil pessoas que ainda não conhecem o próprio direito à reparação, além dos casos que aguardam os julgamentos.

"Não é a hora de encerrar a comissão. Tem que ser nomeados os 25 conselheiros e tem que dar condições para essas pessoas virem a Brasília participar dos julgamentos. Não deve ser fixada uma data para acabar. Mas deve haver uma campanha nos meios de comunicação para esclarecimento às pessoas sobre esse direito", disse o advogado Aderson Bussinger Carvalho, representante de um fórum que congrega 30 entidades de anistiados.

O anistiado Getúlio Guedes disse que o governo precisa alcançar as pessoas que têm direito à reparação mas ainda não sabem. "Hoje a tecnologia está facilitando a luta da pessoa pelos seus direitos. Tem pessoas que saíram em greve e nunca mais conseguiram um emprego, nunca souberam o motivo. Temos as evidências de que as empresas falavam entre si para impedir que um operário punido numa empresa fosse trabalhar em outra. Teve gente que se suicidou sem emprego, e suas famílias só agora entendem o motivo", contou.

Ex-presidente da comissão no governo Michel Temer, Arlindo Fernandes Oliveira, disse que, por um lado, o governo poderia estabelecer um prazo para receber os pedidos de anistia, desde que aprovado pelo Legislativo. Por outro, não poderia impedir as pessoas de procurarem seus direitos no Judiciário no futuro. "Esses direitos são individuais e imprescritíveis. Não pode o governo dizer que uma pessoa não pode procurar direitos", disse Oliveira.

VALORES

A Comissão de Anistia foi criada em 2001, no segundo mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), com o objetivo de regulamentar artigo que estabeleceu a concessão de anistia aos brasileiros atingidos "em decorrência de motivação exclusivamente política por atos de exceção, institucionais ou complementares" desde 1946, incluindo a ditadura militar (1964-1985).

Há cinco tipos de reparação, uma delas em dinheiro. Os pagamentos podem ser de duas formas: uma única parcela, no valor máximo de R$ 100 mil, ou prestações mensais continuadas até a morte do anistiado e de seu cônjuge mais atrasados reatroativos a máximo de cinco anos.

Desde que foi criada, em 2001, a Comissão de Anistia analisou 66,3 mil casos, dos quais deferiu 39,3 mil e indeferiu 23,5 mil. Nos deferidos estão incluídos reconhecimentos para efeito de contagem de aposentadoria no regime geral do INSS, que não envolvem pagamentos, e as reparações econômicas, que teriam atendido cerca de 25 mil pessoas.

Em 18 anos, o governo pagou cerca de R$ 10 bilhões a anistiados, segundo dados informados à comissão pelos ministérios da Economia, responsável pelo pagamento a civis, e da Defesa, que remunera os militares. À reportagem, a Defesa não confirmou os números, orientando apenas uma consulta ao site do órgão na internet.

Os dados disponíveis, porém, são apenas de 2014 em diante. Já o Ministério da Economia enviou planilhas com os detalhes dos pagamentos ano a ano. Os números coincidem com os informados pelo ministério de Damares. Teriam sido pagos, de 2001 até dezembro de 2018, R$ 6,7 bilhões, entre pagamentos únicos, atrasados, parcelas mensais e remunerações por decisão judicial.

A partir da posse de Dilma Rousseff (2011-2016), a Comissão de Anistia passou a viver um esvaziamento. Em cinco anos do governo dilmista, de 2011 a 2015, a média anual foi de 54 reuniões, contra 93 nos oito anos do governo Lula (2003-2010).
Segundo o ministério de Damares, os trabalhos internos na comissão continuam normalmente, com a análise técnica dos pedidos. Procurada ao longo da semana, a ministra não recebeu a reportagem para falar sobre a comissão.

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