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Divergência

AGU e Exército divergem sobre mudança de nome de brigada militar que homenageia golpe de 1964

Alteração foi solicitada por uma ação civíl pública do MPF, que também pede criação de um espaço de memória no local

4ª Brigada de Infantaria Leve de Montanha, em Juiz de Fora 4ª Brigada de Infantaria Leve de Montanha, em Juiz de Fora  - Foto: Divulgação/Exército

A Advocacia-Geral da União (AGU) e o Exército divergem sobre o nome do batalhão da 4ª Brigada de Infantaria Leve de Montanha, em Juiz de Fora (MG), que homenageia o golpe militar de 1964.

No mês passado, o órgão público se manifestou a favor da mudança da nomenclatura do quartel, denominado "Brigada 31 de março", em referência à data em que as tropas da cidade se mobilizaram para tomar o governo das mãos do ex-presidente João Goulart.

A instituição, no entanto, aponta que o Exército teria contrariado o pedido de modificação e argumentado que "não há incompatibilidade entre a menção ao episódio histórico e os valores democráticos", como mostrou nota jurídica da AGU revelada pelo jornal Folha de S. Paulo.

O requerimento da mudança faz parte de uma Ação Civil Pública, instaurada em abril de 2024 pelo Ministério Público Federal (MPF).

A ação destaca que a homenagem e apologia ao golpe militar não é algo danoso que aconteceu apenas no passado, mas continua ocorrendo neste momento, de forma permanente.

“A denominação conferida à 4ª Brigada, o monumento com o nome ostensivo no local e a justificativa apresentada para tanto, desinformam e relativizam os crimes da ditadura, propiciando, com isso, a sua repetição”, aponta um dos trechos da manifestação juntada aos autos do processo.

A AGU concordou com a alteração do nome da brigada no início deste ano, após o MPF negar uma proposta do Exército, que propunha apenas a retirada do letreiro com o nome do batalhão, que fica localizado na frente do quartel, e a remoção do site ao "papel decisivo e corajoso da (brigada) na eclosão da revolução democrática".

A Força, no entanto, era a favor da manutenção de uma portaria publicada ainda durante a ditadura que oficializava a homenagem para a data.

A nota jurídica da Coordenação-Geral de Defesa da Democracia da AGU, juntada ao processo, também informa que, ao ser consultado sobre a mudança, o Exército afirmou que "a denominação foi atribuída à brigada em 1974, perpassou por várias gerações e perdura por 50 anos, sem ter sido questionada".

"Não há incompatibilidade da menção ao episódio histórico com os princípios e valores democráticos do Estado brasileiro", defendeu a Força. AGU também contestou o envio do posicionamento pelo gabinete do comandante Tomás Paiva, e não pela Consultoria Jurídica da Força, como aconteceu em ocasiões anteriores.

O Exército também teria rejeitado as alterações no site da brigada por não haver "nenhuma intenção em promover ou incentivar condutas relacionadas aos eventos antidemocráticos".

A AGU, por sua vez, tomou o lado da Força ao discordar de outros dois pedidos feitos pelo MPF: a realização de cursos para os militares da unidade sobre o risco do golpe militar, incluindo também sobre as conclusões da Comissão Nacional da Verdade, e a criação de um espaço de memória no local.

"Não se trata de estabelecer um monumento comemorativo ou tampouco informar sobre determinado evento histórico, mas de esclarecer a sociedade que o golpe de Estado de 1964 é repudiado e tido como ilegal pela ordem jurídica democrática, transmitindo de forma permanente uma mensagem de reprovação oficial", pontuou o órgão.

O MPF também argumenta que a instalação do centro de memória também se justificaria após a constatação de que manifestantes golpistas se aglomeraram em frente ao quartel no final de 2022, com pedidos de "intervenção militar".

Procurada pelo Globo, a AGU afirmou que "nunca se opôs à realização de cursos sobre o golpe e as conclusões da Comissão Nacional da Verdade em unidades militares", acrescentando que "esse pedido já é atualmente atendido pelo Exército por meio da grade curricular oferecida pela Força na temática dos valores democráticos e dos direitos humanos".

"Desde que a ação foi proposta, aliás, a AGU reafirmou seu compromisso com os valores democráticos e com a preservação da memória e da verdade histórica. Nesse sentido, atuou para obter uma solução consensual para a demanda, mas as tratativas não foram adiante em razão de entendimento divergente com o Ministério Público Federal (MPF)", afirmou o órgão.

O Globo também contatou o Exército, mas não obteve retorno. À Folha de S. Paulo, a Força argumentou que "encontra-se em tratativas" com o MPF, por intermédio da AGU, "sobre o assunto em tela".

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