Política

Analistas veem intervenção federal com reserva

Medida de urgência tomada pelo presidente Michel Temer gerou questionamentos

Michel Temer assinou o decreto de intervenção militar no RioMichel Temer assinou o decreto de intervenção militar no Rio - Foto: Beto Barata/PR

O anúncio da primeira intervenção federal desde o período de redemocratização ressuscitou velhos fantasmas da história da jovem República brasileira. Sob a sombra do regime militar, que imperou no País entre 1964 e 1985, o governo do presidente Michel Temer (PMDB) fez questão de garantir que a democracia e a ordem jurídica serão preservadas durante a vigência da medida de exceção. O discurso foi adotado pelo ministro da Defesa, Raul Jungmann (PPS), durante coletiva concedida na última sexta.

"O ato da intervenção não implica em nenhuma restrição de direitos e garantias. A ordem jurídica permanece a mesma. As Forças Armadas não detêm poder de polícia e não passarão a deter esse poder", garantiu o auxiliar ministerial. Diante do ineditismo do decreto, Jungmann revelou que a interpretação de que estaria havendo uma intervenção militar no estado carioca causou preocupação.

"Não é uma intervenção militar. Nunca passou isso pela nossa cabeça. É uma intervenção federal, na qual o interventor é um general", esclareceu, em entrevista.
Apesar da semelhança na grafia, a medida anunciada pelo Governo Federal no Rio de Janeiro é completamente diferente de uma intervenção militar. Trata-se de um dispositivo constitucional que suspende de forma temporária a autonomia territorial de um estado ou município. A previsão da medida na Carta Magna, contudo, não ficou impune de questionamento de especialistas.

O professor de Direito Constitucional da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), João Paulo Allain Teixeira, relata que a legislação prevê uma série de limites para o processo, mas que, mesmo assim, elas implicam na restrição de direitos fundamentais e relativizam a autonomia de governos constituídos, o que não deixa de representar um risco. "É uma medida extrema. Há previsão constitucional, mas a intervenção implica na restrição de direitos fundamentais garantidos pela própria Constituição e uma relativização da automia dos entes federativos. Em um período de normalidade democrática, não haveria ambiente no Congresso para aprovação. Mas há uma afinidade grande de interesses entre Congresso e o Planalto que permite isso", avaliou.

O constitucionalista Walber Agra também acredita que a intervenção abre precedentes perigosos para o Governo Temer, que pode se mostrar incapaz de manter a ordem. “Uma República não pode se compadecer por intervenções. Uma intervenção, mesmo que seja com anuência do Congresso, abre ensejo para quebra de institucionalidade”, alerta.

Críticas
O próprio decreto assinado pelo presidente Michel Temer também enfrenta críticas. O professor da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), Marcelo Labanca, destaca que o texto viola a Carta Magna ao determinar uma “natureza militar” para o interventor. De acordo com ele, não há problemas na ocupação do posto por um general, mas o decreto vai além, ao delimitar a natureza do posto.

"Um governo civil tem que nomear um interventor civil. Colocar um militar no posto é de caráter constitucional duvidoso. No meu modo de ver, isso é questionável", apontou. Outro problema apontado por ele é que o chefe do Executivo teria que, obrigatoriamente, consultar Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional. "É preciso esclarecer se ele consultou esses dois órgãos ou não", afirmou.

O Artigo 5º do decreto introduz outra polêmica, ao afirmar que a entrada em vigência da determinação se deu na última sexta, dia 16. Segundo o professor de direito constitucional da Universidade Federal Fluminense (UFF), Enzo Bello, a validade só existiria após a aprovação pelo Congresso Nacional. O Artigo 49 da Constituição diz que a intervenção é “competência exclusiva” do Parlamento Federal.

Já o Artigo 36 determina que o decreto seja enviado ao Congresso em até 24 horas.
“O presidente não pode editar esse decreto sem que ele seja apreciado pelo Congresso. A redação não coloca isso explicitamente. Se o Congresso não votar a norma, a vigência fica prejudicada”, argumenta Bello.

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), anunciou que vai reformular a pauta da Casa para que a votação do decreto ocorra no início da semana que vem. "Há muitos pontos que podem ser questionados. Há a possibilidade do Supremo Tribunal Federal (STF) receber uma série de questionamentos, colocando o decreto em xeque", avaliou Allain Teixeira.

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