Política

Bolsonaro contraria militares e assessores ao endossar plano de paz de Trump

A ideia delineada por Trump na terça (28) é amplamente favorável a Israel

Presidente Jair BolsonaroPresidente Jair Bolsonaro - Foto: Marcos Corrêa/PR

O presidente Jair Bolsonaro contrariou militares, assessores da área econômica e diplomatas ao dar sinal verde à publicação, nesta quarta (29), de uma nota endossando o plano de paz de Donald Trump para o Oriente Médio.

Ao lado de Binyamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel, o presidente americano apresentou na terça (28) uma proposta para solucionar a histórica crise entre israelenses e palestinos. A ideia delineada por Trump na terça (28), no entanto, é amplamente favorável a Israel.

No comunicado, o ministério das Relações Exteriores "saúda o plano de paz e prosperidade", afirmando que a proposta "constitui um documento realista e ao mesmo tempo ambicioso".

"Trata-se de iniciativa valiosa que, com a boa vontade de todos os envolvidos, permite vislumbrar a esperança de uma paz sólida para israelenses e palestinos, árabes e judeus, e para toda a região."

Leia também:
Países árabes aliados dos EUA acolhem plano de Trump
Trump revela plano de paz para o Oriente Médio

Apesar de o Itamaraty afirmar no comunicado que o plano dos EUA "contempla aspirações tanto de palestinos quanto de israelenses", os palestinos não participaram da sua elaboração e dizem que a proposta não atende aos seus interesses.

A Autoridade Nacional Palestina rechaça, por exemplo, a criação de um estado territorialmente descontínuo e o reconhecimento dos assentamentos judeus na Cisjordânia.

Integrantes da ala militar ouvidos pela Folha defenderam, sob condição de anonimato, que o Brasil deveria se manter distante de questões políticas do Oriente Médio.

Na avaliação deles, tomar partido dos EUA e de Israel no tema pode trazer riscos desnecessários tanto para a relação comercial com as nações árabes quanto para a segurança interna.

Os militares mal conseguiram ser ouvidos por Bolsonaro antes da publicação do comunicado da chancelaria e, para o encontro com o embaixador de Israel no Brasil, Yossi Shelley, também nesta quarta, tampouco foram convidados, assim como auxiliares da área econômica do governo.

A decisão de endossar a proposta de Trump foi tomada uma hora depois da reunião, na qual o representante diplomático pregou o apoio do Brasil ao plano. Se faltaram membros da ala moderada, um dos principais defensores do alinhamento aos EUA e a Israel, o chanceler Ernesto Araújo, acompanhou a agenda.

Após a reunião, Shelley confirmou ter apresentado a proposta a Bolsonaro. "Eu dei ao presidente indicações sobre o plano de Trump e como Israel avalia o plano", disse o embaixador à Folha.

"Todas as pessoas que querem a paz defendem o plano, que é diferente dos anteriores." Já o embaixador da Palestina no Brasil, Ibrahim Alzeben, criticou a proposta e afirmou ter solicitado uma audiência com o presidente brasileiro.

Na avaliação dele, o que Trump oferece não traz paz para o Oriente Médio. "Não é um plano de paz, mas de imposição da postura israelense. Ele foi apresentado a nós em 2011 e foi recusado pelo governo palestino, porque não atende às aspirações do povo palestino", disse.

Na equipe econômica, a posição do presidente foi avaliada como "inadequada" e "desnecessária". Eles lembraram que a promessa de campanha de Bolsonaro de transferir a embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, o que na prática significaria o reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel, gerou ameaças de boicote de países árabes a produtos brasileiros. O governo então congelou a ideia e abriu apenas um escritório comercial na cidade.

Tradicionalmente, o Brasil argumenta que o status final de Jerusalém só deve ser definido após negociações de paz que assegurem a coexistência dos dois estados, Israel e Palestina -posição da ONU e seguida por grande parte da comunidade internacional.

A apreensão em torno da decisão de Bolsonaro de endossar o plano de paz se estendeu a membros do governo que lidam com exportações de produtos agrícolas a países árabes.

Um auxiliar pondera que o apoio é um gesto muito menos radical do que a eventual transferência da embaixada, mas não deixa de ser mais um passo no alinhamento do Brasil às posições de EUA e Israel, algo percebido de forma negativa entre árabes.

No Itamaraty, muitos diplomatas receberam a nota com preocupação. Segundo esses interlocutores, a publicação do comunicado significa o abandono do posicionamento histórico do Brasil em relação ao conflito entre Israel e Palestina.

Tradicionalmente o governo brasileiro defendia que a solução do conflito deveria ter como base negociações diretas entre palestinos e israelenses, o que não ocorreu neste caso.

Interlocutores apontaram ainda outros aspectos que consideram problemáticos. Eles afirmam que a manifestação do ministério passou a impressão de que o Brasil apoiaria qualquer plano proposto pelos EUA e avaliam que tanto Trump quanto Netanyahu aproveitaram o anúncio do plano para responder a dinâmicas internas dos seus respectivos países.

O americano passa por um julgamento de impeachment no Senado americano e disputará em novembro a reeleição. Já Netanyahu enfrenta acusações de corrupção e, assim como o par americano, concorre a um novo pleito, em março, o terceiro em Israel em menos de um ano.

PRINCIPAIS PONTOS DO PLANO DE PAZ
- Possibilitar a criação de um Estado palestino com mais do dobro do tamanho do território atual, mas sem Exército e Força Aérea e sob controle de Israel a oeste do rio Jordão
- Estabelecer Jerusalém como capital "indivisível" de Israel, com a capital palestina ocupando partes do leste da cidade, onde os EUA abririam uma embaixada
- Reconhecer os assentamentos israelenses na Cisjordânia e o vale do rio Jordão como parte de Israel; nem palestinos nem israelenses serão forçados a deixar suas casas
- Congelar futuras ocupações de território palestino durante quatro anos, enquanto ocorrem as negociações da criação do Estado da Palestina
- Recusar o direito de retorno de palestinos refugiados a regiões perdidas para Israel em conflitos anteriores; eles poderão viver no futuro Estado da Palestina, integrar-se nos países em que vivem atualmente ou migrar para um novo país - Investimentos de US$ 50 bilhões por parte dos EUA no novo Estado palestino, que criaria 1 milhão de novos empregos e reduziria a pobreza pela metade
- Reconhecimento de Israel como Estado judeu

Veja também

Bossa nova, medalhas e almoço com coxinha: saiba como foi o encontro de Lula e Macron em Brasília
Visita Macron

Bossa nova, medalhas e almoço com coxinha: saiba como foi o encontro de Lula e Macron em Brasília

"É grave que ela não possa ter sido registrada", diz Lula sobre candidata opositora na Venezuela
Crítica

"É grave que ela não possa ter sido registrada", diz Lula sobre candidata opositora na Venezuela

Newsletter