Bolsonaro, o novo 'malvado favorito' da UE
Após 20 anos de negociação, a UE e os países do Mercosul alcançaram em junho um acordo de livre-comércio, que pode se tornar um dos mais importantes do mundo
A candidatura de ativistas brasileiros ao Prêmio Sakharov da Eurocâmara parece confirmar que o presidente Jair Bolsonaro é o "malvado favorito" da União Europeia (UE), que tem, no entanto, pragmatismo como bandeira e um acordo comercial com o Mercosul no horizonte.
Nesta terça-feira (8), a vereadora assassinada Marielle Franco, o líder indígena Raoni e a ambientalista Claudelice Silva dos Santos foram anunciados entre os finalistas do Prêmio Sakharov à liberdade de consciência, assim como o intelectual uigur Ilham Tohti e um grupo de adolescentes quenianas.
"É uma maneira de denunciar a situação dos direitos humanos e de pressionar o governo de Bolsonaro em sua imagem e prestígio internacional", disse à AFP Anna Ayuso, pesquisadora sênior do "think tank" CIDOB, com sede em Barcelona, na Espanha.
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E, apesar do "desconforto" em alguns países europeus com Bolsonaro, Ayuso descarta uma "ruptura" do bloco com o Brasil, "o maior país da América Latina", porque "há interesses econômicos de muitos países da UE". O primeiro deles é o acordo com o Mercosul.
Após 20 anos de negociação, a UE e os países do Mercosul - Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai - alcançaram em junho um acordo de livre-comércio, que pode se tornar um dos mais importantes do mundo com um mercado de 770 milhões de pessoas em ambos os lados do Atlântico.
O anúncio do acordo, que agora se submete a uma revisão legal antes de sua assinatura final prevista pela UE para o fim de 2020, veio precedido e acompanhado da preocupação em alguns países do bloco europeu - como França e Irlanda - com o impacto na agricultura e no meio ambiente.
As críticas aumentaram em agosto, com ameaças de Paris e de Dublin de não assinarem o pacto, por conta dos incêndios na Amazônia. Na cúpula do G7, na França, o presidente anfitrião, Emmanuel Macron, chegou a acusar Bolsonaro de ter "mentido" sobre seus compromissos ambientais.
O presidente brasileiro deu a resposta em setembro passado, em seu discurso na Assembleia Geral da ONU, defendendo a soberania do país sobre a Amazônia. Também criticou a ingerência dos governos estrangeiros e as "mentiras" da imprensa.
Mais um 'malvado favorito'
Para Gaspard Estrada, especialista em América Latina no instituto Sciences Po em Paris, a questão da "política doméstica" pesa tanto para o presidente francês, quanto para o brasileiro, que, "desde o início de seu governo está falando para sua base eleitoral".
"Bolsonaro construiu uma imagem no mundo (...) que contribuiu para fazer dele o malvado favorito, além de [Donald] Trump" [atual presidente dos EUA], inclusive por fazer referências à "ditadura" e ao "comunismo", explica o pesquisador.
A defesa das candidaturas aos Prêmios Sakharov vai nessa direção.
Bolsonaro "ignora a realidade (...) Nós temos que defender a Amazônia de uma pressão desmedida, temos também que defender as populações locais", afirmou em 30 de setembro, durante a defesa da candidatura, a eurodeputada Marisa Matías.
"Os casais do mesmo sexo podem ter direito a se casar e a adotar filhos, mas não é suficiente para proteger a comunidade contra a crescente violência, às vezes até tolerada por figuras públicas, como o próprio presidente", disse a eurodeputada Verde Hannah Neumann.
Sobre Macron, Estrada considera que o chefe de Estado francês busca "capitalizar" a oposição ao brasileiro como "líder de uma coalizão anti-Bolsonaro" e "líder da defesa do meio ambiente", embora "também tenha razões pessoais, porque atacou sua mulher".
O ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que Brigitte Macron é "feia de verdade", ao defender Bolsonaro, que riu de um comentário on-line criticando a primeira-dama da França. O governo francês denunciou um "concurso de insultos" por parte das autoridades brasileiras.
"Bolsonaro não mudou e não vai mudar", acrescentou o analista da Sciences Po, para quem seus ataques à agenda mundial sobre minorias, direitos humanos e meio ambiente provocaram a reação da "sociedade civil organizada na Europa".
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