Casos de outros países embasam estudo entregue a Fachin que propõe 'código de conduta' no STF
Principal país citado como inspiração é a Alemanha, mas diretrizes existentes nos Estados Unidos e na França também são elencadas
A intenção do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), de criar um código de conduta para integrantes de tribunais superiores é respaldada por sugestões recorrentes da academia, além de exemplos internacionais.
O principal país citado como inspiração é a Alemanha, mas diretrizes existentes nos Estados Unidos e na França também são elencadas em um dos estudos entregues a Fachin logo após ele tomar posse como presidente da Corte, há pouco mais de dois meses.
Defendida há tempos por pesquisadores, a ideia de criar um guia para integrantes de tribunais superiores ganhou força depois que o colunista Lauro Jardim revelou no domingo que o ministro Dias Toffoli, relator da investigação sobre o Banco Master, viajou para Lima no mesmo jatinho que advogados do caso. Palmeirenses, eles foram à capital peruana ver a derrota do time paulista para o Flamengo na final da Libertadores.
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Batizado de “A Responsabilidade pela Última Palavra: Contribuição para o aperfeiçoamento institucional da jurisdição constitucional brasileira”, o documento com o selo da Fundação Fernando Henrique Cardoso foi coordenado por Oscar Vilhena, Sergio Fausto e Ana Laura Barbosa.
Conta ainda com outros signatários de peso, como o ex-ministro do STF Cezar Peluso e os ex-ministros da Justiça José Carlos Dias, Miguel Reale Júnior e José Eduardo Cardozo. Um dos três eixos se chama “Fortalecimento da reputação pública do tribunal”, e é nele que são citados possíveis caminhos relacionados à conduta dos juízes.
— O movimento é muito positivo, os episódios recentes mostram a importância disso. Já aguardamos há muito tempo um código de conduta. É mais que necessário para a sociedade ter clareza do que é permitido e cobrar os ministros quando fizerem algo fora do código — afirma Oscar Vilhena, diretor da FGV Direito SP. — Considero o modelo alemão uma ótima referência. São 16 dispositivos, é um código simples e com regras muito claras.
Alemanha
O primeiro princípio do código alemão diz que os ministros “devem se comportar, dentro e fora do exercício de suas funções, de modo a não comprometer o prestígio do tribunal, a dignidade do cargo e a confiança em sua independência, imparcialidade, neutralidade e integridade.”
Depois, são listadas diretrizes sobre a participação de ministros do Tribunal Constitucional em eventos, por exemplo — um dos pontos sobre os quais Fachin pretende se debruçar no código em formulação. Os juízes do país europeu só podem aceitar remuneração por “palestras, participação em eventos e publicações” se isso não prejudicar a reputação da Corte e não suscitar dúvidas sobre a “independência, imparcialidade, neutralidade e integridade de seus membros”, valores destacados no início do código.
Também na Alemanha, há sinalizações de que postura integrantes do tribunal podem adotar em entrevistas, tomando cuidado para que “o conteúdo e o formato de suas declarações estejam em conformidade com suas funções, com o prestígio do tribunal e com a dignidade do cargo”.
Preocupação com a ‘aparência’
Ainda na Europa, o documento da Fundação FHC entregue a Fachin menciona o caso francês. O Código de Conduta do Conselho Constitucional daquele país destaca a necessidade de levar em conta a “prevenção de situações que possam suscitar uma dúvida legítima — ainda que apenas sob a ótica das aparências — quanto à independência ou à imparcialidade dos membros da jurisdição administrativa”. Ou seja, reforça a necessidade de evitar brechas que deem margem para interpretações negativas.
“Deixa claro, portanto, que não se trata apenas de cumprir objetivamente com as determinações legais, mas sim de construir uma imagem de integridade que demanda cautelas adicionais”, observa o estudo.
Nos Estados Unidos, há trechos parecidos. Os fundamentos da conduta de ministros da Suprema Corte foram produzidos em novembro de 2023 depois que o site investigativo ProPublica fez revelações sobre o ministro Clarence Thomas, ligado ao Partido Republicano.
O texto diz que “um ministro não deve discursar ou participar de uma reunião organizada por um grupo se souber que esse grupo tem um interesse financeiro substancial no desfecho de um caso que está em tramitação no tribunal ou que provavelmente será apreciado por ele em futuro próximo”.
Indica ainda que, “ao decidir se deve falar ou comparecer perante qualquer grupo, um ministro deve considerar se tal conduta poderia criar, na percepção de membros razoáveis do público, uma aparência de impropriedade”.
Na visão do professor da FGV Rubens Glezer, que pesquisa o Supremo e é um dos signatários do estudo apresentado a Fachin, a experiência internacional é válida, mas o código formulado agora no Brasil é calcado sobretudo em diagnósticos próprios do caso brasileiro.
— Não se trata de uma tentativa de transplantar uma solução estrangeira para cá. É uma solução pautada num diagnóstico que a academia brasileira produz há décadas sobre o Supremo, os diversos problemas que o Supremo tem, e que foram se agudizando ao longo das últimas décadas — afirma. — É pautada também na percepção de que existe um dano reputacional causado à instituição pela conduta individual de alguns ministros. A má reputação individual se alastra, contamina o tribunal.
O código, portanto, tenta criar algum parâmetro para reforçar a institucionalidade do Supremo, diz Glezer.
— A ideia é criar mecanismos que ajudem o Supremo a recuperar em boa parte da população e da comunidade jurídica sua reputação. Ter algo que ajude a controlar ou ao menos mitigar, constranger quem não tem esse compromisso — aponta. — As recomendações do código de ética são até triviais, não são inovações radicais. São propostas num compromisso que deveria ser o mínimo da conduta do Supremo, o mínimo que se espera do tribunal. No entanto, é um tribunal que tem falhado com essas obrigações.
Além de tratar do tema com os integrantes da Corte, Fachin vem falando com os presidentes dos demais tribunais superiores. A avaliação nos bastidores do STF, no entanto, é de que a concretização do projeto deve enfrentar entraves e vai exigir muita negociação.
Em 2023, a ministra Rosa Weber, então presidente, tentou aprovar uma regra para a participação de juízes em eventos patrocinados por grandes empresas. A proposta causou uma "rebelião" no Judiciário.

