Cessar-fogo abre caminho para a paz em Gaza
Especialistas acreditam que acordo lança bases para a pacificação, mas ponderam que sucesso depende de vários fatores geopolíticos
Nesta sexta-feira (10), palestinos começaram a retornar para suas casas na Faixa de Gaza após entrar em vigor o cessar-fogo entre Israel e o Hamas. É a terceira interrupção da guerra desde outubro de 2023, mas analistas avaliam que o novo acordo lança as bases para uma solução duradoura de paz na região. Ainda assim, o sucesso dependerá de fatores geopolíticos.
Para o colunista da Folha de Pernambuco, o professor e ex-presidente da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) Luiz Otávio Cavalcanti, a natureza complexa do conflito envolve diversos fatores, como terra e religião. Contudo, ele pondera que pesa no processo a influência de atores importantes no cenário geopolítico que atuam para pôr um fim na guerra, como os Estados Unidos. “Esse processo entre Hamas e Israel tem, por um lado, esses fatores de emoção e de posse, que agravam a solução do problema, mas, por outro lado, hoje há forças muito fortes atuando para pacificar, para acabar com a guerra”, destacou.
Apesar da complexidade inerente do conflito, o professor de Relações Internacionais da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) Augusto Teixeira aponta que a sustentabilidade do cessar-fogo é difícil de ser garantida, pois “o plano contém 20 pontos, dos quais dependem não apenas do compliance de Israel como também do Hamas”.
Ele complementa que a paz dependerá crucialmente da participação dos países que contribuíram como mediadores: Catar, Turquia e Egito. “Também é essencial para compreender a questão da potencialidade de ser duradouro esse cessar-fogo: a participação dos Estados Unidos”, afirmou.
Trump
Luiz Otávio Cavalcanti enfatiza que hoje há “forças muito fortes atuando para pacificar, para acabar com a guerra”. A primeira força identificada é o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. O colunista observa que o presidente está “tomando medidas para se afirmar como uma grande liderança mundial pacificadora”, pois “trava uma guerra interna nos Estados Unidos; mas é um pacificador fora da América”.
Para Teixeira, Donald Trump sai do cenário fortalecido. Ele destaca a capacidade do republicano em “pressionar Israel a aceitar um acordo, encerrar até o momento uma guerra devastadora na região e fazer o que (o ex-presidente dos Estados Unidos Joe) Biden não conseguiu fazer”. O professor aponta que a atuação de Trump foi multilateral, com “a articulação dos países do Golfo, Egito e Turquia”.
Netanyahu
Por outro lado, os especialistas concordam que a permanência do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, se torna inviável. Luiz Otávio Cavalcanti é taxativo ao declarar que “a coisa mais ‘desimportante’ dessa guerra se chama Netanyahu”. “Ele tornou-se irrelevante”, avalia.
Para o colunista, o premiê “tornou-se uma figura que é um obstáculo para qualquer solução adotada em favor da paz”. A razão é que “ele montou um governo com uma coalizão da extrema-direita, e a extrema-direita quer acabar com os palestinos”. Cavalcanti afirma que “é, portanto, ilógica a manutenção dessa coalizão num cenário de paz”.
Já Augusto Teixeira considera que a situação de Netanyahu “fica bastante problemática”. O professor lista os fatores de desgaste, começando pela crítica ao resultado da negociação. “Boa parte desses reféns está morta, o que a crítica israelense entende que seria possível ter outro resultado se esse acordo tivesse sido costurado previamente”, avaliou. Além disso, o primeiro-ministro será cobrado “pela questão importante das causas do 7 de outubro, que é algo inadmissível para a política de segurança israelense”.
Futuro
Para Teixeira, o acordo representa “um teste à capacidade das instituições internacionais e regionais de sustentar compromissos firmados em contextos de alta instabilidade”. Segundo ele, “a efetividade do cessar-fogo dependerá não apenas da pressão diplomática externa, mas também da reconstrução de uma representação política palestina legítima e unificada, capaz de negociar com respaldo interno e reconhecimento internacional”.
Ele ressalta ainda que, “no lado israelense, o prolongamento da crise política e a falta de consenso sobre o futuro de Gaza colocam em dúvida a durabilidade dos entendimentos alcançados”. Para ele, “sem avanços concretos nas frentes política e humanitária, o processo tende a permanecer vulnerável a rupturas, reproduzindo o ciclo de tensão que há décadas impede a consolidação de uma paz duradoura”.

