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trama golpista

Depoimentos de ex-comandantes das Forças Armadas enfraquecem defesa de Bolsonaro

Relatos de Baptista Junior e Freire Gomes confirmaram reuniões nas quais foram discutidos instrumentos jurídicos que poderiam reverter o resultado das eleições de 2022

Estratégia de defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro pode ser enfraquecida com depoimentos de ex-comandantes das Forças ArmadasEstratégia de defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro pode ser enfraquecida com depoimentos de ex-comandantes das Forças Armadas - Foto: Sergio Lima/AFP

Na primeira semana de audiência das testemunhas da ação penal da trama golpista, depoimentos dos ex-comandantes das Forças Armadas deram mais detalhes sobre a dinâmica das discussões de um plano para manter Jair Bolsonaro no poder e enfraqueceram a estratégia de defesa do ex-presidente.

Bolsonaro argumenta que apenas discutiu hipóteses previstas na Constituição. Após já terem relatado as reuniões golpistas à Polícia Federal (PF), a reiteração dos relatos ganha mais força por ocorrer na fase de produção de provas do processo criminal.

Os ex-comandantes Carlos de Almeida Baptista Júnior (Aeronáutica) e Marco Antônio Freire Gomes (Exército) confirmaram ter participado de reuniões no Palácio da Alvorada e no Ministério da Defesa em que foram discutidos instrumentos jurídicos que poderiam reverter o resultado das eleições presidenciais de 2022, ocasião em que Luiz Inácio Lula da Silva se saiu vitorioso nas urnas.

Visão complementar
Entre ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), o balanço da semana é que os relatos trouxeram para o caso uma visão complementar de elementos que estão contidos na denúncia, que ajudam a “ver melhor” fatos contidos na peça acusatória e a “esclarecer” eventuais incongruências em versões apresentadas pelos réus e pela Procuradoria-Geral da República (PGR).

Ministros observam que a etapa é importante para “tirar do papel” alguns dos elementos apresentados na denúncia e que eventuais contradições podem ser dirimidas ao vivo — dando a oportunidade para que as partes possam questionar e falar.

Para um magistrado, apesar de episódios mais tensos ou momentos acalorados, o saldo da primeira etapa foi “positivo”, e a expectativa é que nesta semana o ritmo seja semelhante.

Especialistas ouvidos pelo GLOBO explicam que a etapa atual da ação, a chamada instrução criminal, é o momento de efetiva produção das provas que servirão para a decisão sobre condenação ou absolvição dos réus. Por isso, as testemunhas têm um papel importante, principalmente por terem uma relação direta com os fatos analisados.

Além disso, diferentemente do depoimento na PF, esse testemunho ocorre na presença do juiz e com direito ao contraditório, já que tanto a acusação quanto a defesa podem fazer perguntas.

— A importância é indiscutível. Estamos falando dos chefes das Forças. Essas pessoas têm uma responsabilidade pública muito grande diante do cargo que ocuparam, da carreira que tiveram nas Forças Armadas. Essas pessoas estavam próximas do que se considera ter sido o centro decisório, dos atos que são objeto principal dessas acusações. Portanto, os testemunhos dessas pessoas são de importância crucial para análise neste caso — avalia Rogério Taffarello, sócio de Direito penal empresarial do escritório Mattos Filho.

Para Helena Lobo Costa, professora de Direito penal da Universidade de São Paulo (USP), o mais importante nos depoimentos das testemunhas é o relato dos fatos, e não a avaliação que elas fazem sobre isso.

— O fundamental é a narrativa de fatos, o que eles contam sobre a minuta (do golpe), sobre o que estava sendo discutido ali no momento. Uma testemunha ter uma percepção mais tranquila, digamos assim, e o outro ter ficado mais preocupado, não interfere tanto, porque o importante da testemunha é o relato fático, não a opinião que ele vai ter sobre aquilo. Então, se o relato for convergente, me parece que é algo forte no sentido de comprovar como os fatos se deram.

Apesar de minimizar o debate inicial, por envolver mecanismos previstos na Constituição, Freire Gomes afirmou que as discussões foram “complementadas” e disse inclusive que a última versão da minuta apresentada previa a prisão de autoridades, possivelmente a do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Além disso, reconheceu que a minuta impedia a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao relatar a última reunião na qual o documento foi debatido, no Ministério da Defesa.

Baptista Junior, por sua vez, afirmou diretamente ter percebido que as discussões sobre uma Garantia de Lei e da Ordem (GLO), estado de defesa ou estado de sítio tinham como objetivo impedir a posse de Lula, e que avisou a Bolsonaro que ele não seria mais presidente em 1º de janeiro de 2023, “aconteça o que acontecer”.

Testemunhas de defesa
Na primeira semana de audiência também foram iniciados os depoimentos das testemunhas de defesa. Já falaram, por exemplo, o senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS), ex-vice-presidente de Bolsonaro, o comandante da Marinha, Marcos Sampaio Olsen, e o ex-comandante do Exército Júlio Cesar Arruda. Em geral, eles afirmaram desconhecer intenções golpistas dos réus.

Helena Lobo Costa afirma que nenhuma testemunha tem mais peso do que outra, mas que o magistrado irá avaliar o conjunto dos depoimentos e decidir quais relatos devem ser levados em consideração.

— Por isso é tão importante o juiz participar dessas audiências. Ele vai ouvir uma testemunha e vai perceber, por exemplo, (se) essa testemunha não estava acompanhando os fatos, se ela ficou sabendo por um relato de um terceiro, se ela vai ter menos importância de que o que uma testemunha que os acompanhou presencialmente.

Para esta semana estão previstos os depoimentos dos ex-ministros de Bolsonaro Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, e Eduardo Pazuello, deputado federal (PL-RJ), e do presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto, todos testemunhas de defesa do ex-presidente.

O que disse Baptista Junior à Polícia Federal

- Ouviu dizer que Bolsonaro adiou a publicação do relatório do Ministério da Defesa sobre as urnas.

- Afirmou a Bolsonaro que o relatório do IVL sobre as urnas não tinha embasamento técnico.

- Em reuniões no Alvorada, Bolsonaro falava em decretar GLO, estado de defesa ou outro instrumento para solucionar uma “crise institucional”. Disse a Bolsonaro que nenhum desses instrumentos iam mantê-lo no poder.

- Freire Gomes afirmou que teria que prender Bolsonaro se ele tentasse usar um desses instrumentos para atentar contra a democracia.

- Almir Garnier disse a Bolsonaro que colocaria suas tropas à disposição.

- Em reunião na Defesa, Paulo Sérgio apresentou um documento em uma pasta. Ele questionou se previa a “não assunção do presidente eleito” e que não admitiria receber.

O que disse Baptista Junior ao STF

- Ouviu dizer que Bolsonaro pressionou pelo adiamento do relatório.

- Informou a Bolsonaro que o relatório do IVL (Instituto Voto Legal) era “mal escrito” e tinha “erros”.

- Bolsonaro discutia GLO, estado de defesa ou estado de sítio, mas ele começou a considerar que o objetivo era impedir a posse de Lula. Afirmou a Bolsonaro que ele não seria presidente no dia 1º de janeiro, “aconteça o que acontecer”.

- Freire Gomes afirmou, de forma tranquila, a Bolsonaro: “Se o senhor tiver de fazer isso, vou acabar lhe prendendo”.

- Garnier disse a Bolsonaro que suas tropas estavam à disposição e citou o número de 14 mil fuzileiros.

- Paulo Sérgio, ministro da Defesa, levou um documento dentro de uma pasta. Ele questionou se previa a “não assunção do presidente eleito” e não aceitou receber.

O que disse Freire Gomes à Polícia Federal

- Bolsonaro sabia que a comissão do Ministério da Defesa não havia encontrado fraudes nas urnas.

- Não sabe dizer se Bolsonaro atuou para adiar a divulgação do relatório do Ministério da Defesa sobre as urnas.

- Participou de reuniões com Bolsonaro no Alvorada sobre a utilização de institutos jurídicos como GLO, estado de defesa e estado de sítio em relação ao processo eleitoral.

- Em reunião, Bolsonaro apresentou documento que previa decretação de estado de defesa e criação de uma Comissão de Regularidade Eleitoral. Ele e Baptista Junior afirmaram de forma contundente suas posições contrárias, e Almir Garnier se colocou à disposição do presidente.

- Afirmou a Bolsonaro que ele poderia sofrer responsabilização penalmente.

- Em reunião na Defesa, Paulo Sérgio apresentou uma minuta de decreto mais abrangente do que a de Bolsonaro, mas que também decretava estado de defesa. Ele e Baptista Junior foram contrários e Garnier ficou calado.

O que disse Freire Gomes ao STF

- Bolsonaro apresentou documento com “considerandos” que remetiam a GLO, estado de defesa ou de sítio, mas de forma “muito superficial” e como “estudo”. Discussão não “causou espécie” porque eram medidas baseadas na Constituição.

- Em outra reunião, em que hipóteses foram “complementadas”, disse a Bolsonaro que se não seguisse aspectos “eminentemente jurídicos”, ele ia ter “problema sério” e poderia ser implicado. Negou ter dado “voz de prisão” a Bolsonaro.

- Ele e Baptista Junior foram contrários a qualquer medida. Garnier disse que estava com o presidente, mas que ele não pode interpretar o que isso significava.

- Última versão do documento previa prisão de autoridades, como Alexandre de Moraes.

- Na reunião no Ministério da Defesa, Baptista Junior perguntou se o documento apresentado se referia à posse do novo presidente, e os dois afirmaram que não tinham o que discutir sobre o assunto.

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