Política

Doria deixa no papel maioria de suas promessas para segurança pública

Até agora, só duas foram totalmente implementadas

Governador de São Paulo, João DoriaGovernador de São Paulo, João Doria - Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Após sete meses à frente do Palácio dos Bandeirantes, João Doria (PSDB) ainda não tirou do papel mais da metade das promessas que fez para reduzir a violência e a criminalidade em São Paulo.

A segurança pública foi a grande aposta da campanha tucana ao governo do estado e é uma das bandeiras do ex-prefeito para disputar a sucessão Jair Bolsonaro (PSL) na presidência, em 2022.

A reportagem mapeou 22 metas para a área anunciadas por Doria. Até agora, só duas foram totalmente implementadas: criar um aplicativo chamado SOS Mulher, que prioriza atendimento policial às vítimas com medidas protetivas, e manter a queda nos índices de homicídio –o primeiro semestre teve 1.332 homicídios, o menor número de casos para o período na série histórica, iniciada em 2001. O índice é de 5,5 casos por 100 mil habitantes, o menor do país (posto que o estado ocupa desde 2015).

Continuam na gaveta propostas como integrar as polícias, abrir dez novos Deics (departamentos de combate ao crime organizado) e expandir o programa de monitoramento de câmeras para todas as regiões do estado.

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Doria também afirmou que uma das suas primeiras providências na cadeira seria aumentar o salário das polícias para o segundo maior do país –o estado ocupa as últimas posições do ranking e a defasagem é motivo de racha com a categoria.
Segundo a Secretaria de Segurança Pública, a recomposição salarial será feita ao longo dos quatro anos de mandato, e detalhes da medida devem ser anunciados no fim de outubro.

Para cumprir outra meta, a de reformar quartéis e delegacias, Doria tem buscado o apoio da iniciativa privada. As obras de 120 distritos policiais, ou 9% do total, deveriam ter começado em julho. Em abril, a laje do 68º DP (Lajeado) caiu sobre duas viaturas.

O governador também pretende levar o padrão Poupatempo às delegacias, com agendamento online de dia e horário para a vítima comparecer à unidade. O sistema, no entanto, não foi implementado. Doria comprou ainda 1.226 novos carros para a PM, mas as viaturas não são blindadas, como prometido.
A lista de promessas inclui novas armas para os agentes. A compra, porém, continua em fase de licitação, segundo a pasta.

Para os presídios, o tucano propõe que não haja mais "saidinhas" de presos e que a maioridade penal seja reduzida. As ideias, no entanto, estão além da caneta do governador e dependem do Congresso. Doria também disse que queria ver todos os detentos trabalhando – hoje, 41,3% do total de presos com condenação em definitivo têm atividades; a lei de execuções penais determina que apenas estes podem trabalhar.

Outras seis promessas começaram a ser colocadas em prática. A exemplo da inauguração de quatro novos Baeps (Batalhões de Ações Especiais de Polícia) dos 22 prometidos e da contratação de 1.039 policiais – Doria falou que irá contratar 13 mil PMs e 8.000 policiais civis.

O Dronepol foi instituído como programa de policiamento com drone em abril deste ano. Por enquanto, são 15 núcleos operacionais e outros 56 devem estar funcionando até o fim do ano, segundo a gestão, que não detalhou em que operações os equipamentos estão sendo usados. No sistema penitenciário, Doria criou 1.755 vagas com a inauguração de dois novos Centros de Detenção Provisória. O número de pessoas presas, no entanto, aumentou 6% neste primeiro semestre (mais de 103 mil pessoas) e o déficit nos presídios do estado permanece acima de 80 mil vagas.

Para Rafael Alcadipani, o professor da FGV e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a gestão Doria tem o mérito de priorizar a área, embora os investimentos na pasta tenham sido menores. Até início de agosto, foram aplicados R$ 46,8 milhões na segurança pública, valor que equivale a 15% do montante investido em todo o ano passado, de R$ 308,3 milhões.

Alcadipani diz que há algumas "prioridades erradas", como a expansão dos batalhões especiais em lugar de investir na "polícia de proximidade". Também critica a abertura de novas Delegacias de Defesa da Mulher enquanto a Polícia Civil ainda carece de estrutura e de agentes nos distritos policiais em geral.
Ainda falta olhar, na visão do professor, para a letalidade policial, "incentivada pelo governador", diz.

O número de pessoas mortas por policiais militares em serviço cresceu 11,5% neste primeiro semestre, se comparado com o mesmo período de 2018. Foram 358 mortes – maior índice desde 2003. Na soma com os mortos por PMs de folga, os agentes mataram uma pessoa a cada 10 horas no estado.

Durante a campanha, Doria afirmou que "a Polícia Militar no Brasil tinha que matar mais". Eleito, disse que o seu governo iria contratar os melhores advogados para defender policiais denunciados por matar em serviço. Perguntada se a gestão havia contratado defensores, a pasta de Segurança Pública não respondeu.
Em abril, o governador elogiou e condecorou no Palácio dos Bandeirantes os PMs que mataram 11 suspeitos após um roubo a banco em Guararema (Grande SP).
"É um discurso irresponsável, que mantém a cultura do esculacho. Não é papel do governador incentivar mortes. Mas ele tende a olhar a segurança pública como problema de polícia", diz Alcadipani.

Na lista de propostas do tucano, não há uma que preveja a redução da letalidade policial.
Mas "Doria não é o Witzel", afirma o coronel José Vicente da Silva Filho. Ex-secretário nacional de Segurança Pública, ele deixou a campanha do tucano por discordar da ampliação da Rota, a tropa de elite da corporação, mas vê Doria como mais moderado que o governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), dono da frase "a polícia vai mirar na cabecinha e... fogo".

"Acabou a campanha, acabou o discurso. Não houve ruptura do sistema que havia. Os projetos que estavam em andamento continuaram", diz Silva Filho.
Para o coronel da reserva, um exemplo de ação exitosa foi a transferência de 22 líderes da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) para presídios federais em fevereiro. "Depois, não houve mortes, fugas, motins. É um resultado positivo", afirmou.

Camila Nunes Dias, professora da UFABC e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, discorda. "O PCC já adquiriu uma forma de atuar que independe de pessoas específicas. O sistema segue superlotado e em péssimas condições", diz.
Ela critica iniciativas para aumentar a população carcerária e a ideia de conceder unidades à iniciativa privada. "Estamos assistindo exemplos catastróficos do Maranhão e do Amazonas."

Os agentes penitenciários vêm pressionando a gestão tucana, inclusive com protestos em frente ao Palácio dos Bandeirantes. Eles querem que os servidores aprovados em concurso sejam nomeados –desde que assumiu, Doria não nomeou nenhum carcereiro. E que a categoria seja beneficiada com o aumento para profissionais da segurança pública.

"Esperamos uma resposta do governador. Se não, vamos fazer o sistema parar", afirma Fábio Jabá, presidente do Sifuspesp, o sindicato dos funcionários do sistema prisional do estado. Eleito na esteira bolsonarista, o deputado Tenente Coimbra (PSL) também tem criticado Doria. "Policial indo combater crime sem colete, com arma que falha. Tem que ser um super-herói", afirma. São 12 mil policiais civis hoje sem colete balístico. "Mas não adianta olhar só para o equipamento. Já estamos no mês oito e nada de reajuste [de salários]. Final do mês o agente precisa de dinheiro pra poder comer", afirma o parlamentar.

É o mesmo tom dos sindicatos ligados à Polícia Civil. Raquel Kobashi Gallinati, do Sindpesp, o sindicato dos delegados, diz que o déficit na corporação chega a 14 mil profissionais e que, em algumas cidades, delegados respondem por mais de três delegacias.

Truculência policial e mira em movimentos sociais preocupam O presidente do Condepe (Conselho Estadual de Direitos Humanos), Dimitri Sales, vê com preocupação o que chama de "processo de criminalização dos movimentos sociais", e cita como exemplo a ação da PM, que entrou em um evento fechado do PSOL sem mandado, no dia 3 de agosto, no centro da capital. Ou a retirada pela PM do torcedor do Corinthians que xingou Bolsonaro, na arquibancada do estádio do clube, em Itaquera, um dia depois.

Para quem vive nas periferias, aumentou a sensação de medo, com um dia a dia de abordagens da polícia mais truculentas e armas mais pesadas. Doria autorizou que PMs usem espingardas de calibre 12 durante o patrulhamento, armamento que antes era restrito à noite. Também anunciou que vai comprar metralhadoras estilo "Rambo" e um fuzil que derruba até helicóptero.

"Os caras não pedem nem mais o documento, já saem batendo", diz Jesus dos Santos, 34, do Jardim Brasil, zona norte da capital. Ele é parte do coletivo Casa do Meio do Mundo e co-deputado pela Bancada Ativista na Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo).

Em Parada de Taipas, "tem mais polícia na rua e ações de repressão contra eventos organizados pela juventude, como os bailes funk", diz Fernando Ferreira, 36, educador social e membro da Rede de Proteção e Resistência ao Genocídio.
A política de criminalização dos pobres e pretos sempre existiu, afirma o articulador social Carlos Alberto de Souza Júnior, que vive no Jardim Ângela, extremo zona sul da capital. "Mas agora o governador diz que pode matar e os profissionais da segurança pública se acham no meio de uma guerra com a população", afirma.
Até o porte físico dos agentes tem mudado, diz Júnior. "O gordinho que não corre atrás está sumindo da quebrada. Agora são tipo segurança do Metrô na Linha 4-Amarela. Só que mal remunerados, mal treinados, eles decidem quem vive e quem morre."

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