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Foro de São Paulo: Lula e PT tentam blindar imagem e se distanciar de ditador da Nicarágua

Às vésperas evento, que reúne partidos de esquerda, regime de Daniel Ortega causa constrangimento ao Palácio Planalto

Gleisi Hoffmann, presidente do PTGleisi Hoffmann, presidente do PT - Foto:

Em meio aos preparativos para o Foro de São Paulo, encontro que reúne partidos de esquerda da América Latina e do Caribe, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e aliados do PT traçaram uma estratégia para se distanciar do regime de Daniel Ortega, ditador da Nicarágua.

A partir desta quinta-feira (29), em Brasília, o PT será o anfitrião da cúpula de quatro dias que inclui convidados de regimes totalitários na região, como políticos ligados ao líder sandinista. Ortega não estará presente, mas as perseguições de seu governo pairam como um "incômodo" para os petistas.

Antes mesmo do início dos debates, a presidente do partido, Gleisi Hoffmann, gravou um vídeo de boas-vindas aos convidados em que reforça compromissos com a "democracia". Para isso, falou sobre a necessidade de "diálogo" para solução de conflitos, uma mensagem indireta para a Nicarágua, mas também para a Venezuela de Nicolás Maduro.

Já Lula, desde que foi recebido pelo Papa Francisco, na semana passada, tenta negociar a libertação do bispo católico Rolando Alvarez, um dos alvos da perseguição religiosa no país caribenho.

Diante do agravamento da situação, foram iniciadas discussões sobre a possibilidade de o PT tentar influenciar a redação da declaração final da cúpula para incluir uma crítica ao endurecimento do regime na Nicarágua.
 

Segundo alguns petistas ouvidos pelo Globo, contudo, é possível que o assunto fique restrito à interlocução privada entre governos e líderes políticos com capacidade de intermediar a situação.

Nesta quinta-feira, o próprio Lula participará da cúpula, ocasião em que terá oportunidade de fazer menção à perseguição aos opositores na Nicarágua. No Planalto, ainda não se sabe se o presidente falará de improviso ou lerá um discurso pronto. Mas é provável, segundo aliados, que aborde a questão.

Na cúpula da legenda, petistas veem com receio uma manifestação pública na presença de correligionários de Ortega. Alguns deles entendem que uma cobrança enfática poderia atrapalhar negociações.

Se a censura estiver em declaração da cúpula, também há a expectativa de que a mediação seja afetada.

— É prudente que o assunto seja conduzido em reuniões privadas. Mas há, sim, um evidente incômodo na esquerda em relação à situação da Nicarágua — diz o Secretário de Comunicação do PT, o deputado federal Jilmar Tatto (SP).

Mesmo que Lula não cite o caso, é esperado, nos próximos dias, uma ligação do petista a Ortega, segundo uma fonte da política externa do governo envolvida nas negociações.

Desde os protestos contra o governo de Ortega, em 2018, o ditador endureceu o regime e passou a perseguir quem faz oposição. O bispo Rolando Álvarez, por exemplo, foi condenado em fevereiro a 26 anos de prisão por, entre outras acusações, atentar contra a integridade nacional.

O religioso estava detido desde agosto do ano passado por conspiração e se recusou a ser deportado aos Estados Unidos com outros 222 opositores libertados e expulsos do país com a pecha de "traidores da pátria".

Em Roma, na semana passada, Lula declarou que negociará pessoalmente com Daniel Ortega para libertá-lo. Também disse que Ortega deveria ter “a coragem” de reconhecer que houve um erro.

— Acho que a Igreja está com um problema na Nicarágua, porque tem padre, tem bispos que estão presos. E a única coisa que a Igreja quer é que a Nicarágua libere o bispo para vir para a Itália. E eu pretendo falar com o Daniel Ortega a respeito de liberar o bispo. Não tem por que o bispo ficar impedido de exercer a sua função na Igreja. Não existe essa possibilidade. Então, eu vou tentar ajudar, se puder ajudar — disse Lula, em Roma.

Entre petistas, há a preocupação de que o governo da Nicarágua seja associado ao PT e a Lula durante a realização do Foro. Aliados de Jair Bolsonaro já começaram a mobilizar as redes sociais para tratar do assunto. Em vídeo, Gleisi tentou rebater o que chama de "mentiras da extrema-direita" à organização.

— Uma das maiores mentiras sobre o Foro é dizer que participamos ou apoiamos grupos e insurreições armadas em qualquer país. É exatamente o contrário. Nós somos da paz, da democracia e da justiça.

Em junho do ano passado, contudo, o Foro se manifestou de forma contrária à censura da Organização dos Estados Americanos (OEA) à ditadura de Daniel Ortega.

Criado em 1990 por Lula e pelo líder cubano Fidel Castro, o grupo nunca teve preocupação em fazer críticas a regimes autoritários de esquerda, como ficou evidente no caso da Venezuela, país em que opositores foram e continuam sendo cerceados.

— A democracia, para nós, é um valor essencial em todos os países, assim como a busca da igualdade e desenvolvimento com justiça social. É pelo diálogo, pelo debate sincero e fraterno e pela solidariedade ativa que podemos nos ajudar uns aos outros — afirma Gleisi, no vídeo direcionado aos participantes.

O Foro de São Paulo foi um dos assuntos mais citados por Bolsonaro durante a campanha de 2018. Virou tema comum entre apoiadores do ex-presidente desde que Olavo de Carvalho, ideólogo influente entre bolsonaristas, passou atribuir à organização um plano concertado de dominação comunista da América Latina.

Nas eleições do ano passado, durante o primeiro debate da Band, Lula preservou Ortega de críticas, postura diferente da apresentada neste momento. Na ocasião, o assunto foi levantado por Bolsonaro.

— Se o Daniel Ortega está errando, o povo da Nicarágua que puna o Daniel Ortega. Se o Maduro está errando, o povo que puna. Porque você (Bolsonaro), quem vai punir, é o povo brasileiro em 30 de outubro — disse Lula.

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