Política

PGR divulgou dados semelhantes aos que motivam processo contra Lava Jato

Os releases, como esses textos são chamados, descrevem o montante supostamente recebido em propina

Procuradoria Geral da República (PGR)Procuradoria Geral da República (PGR) - Foto: José Cruz/Agência Brasil

A PGR (Procuradoria-Geral da República) divulgou denúncias com informações semelhantes às que levaram à abertura de processo administrativo disciplinar (PAD) contra os procuradores da Operação Lava Jato do Rio de Janeiro.

Os textos oficiais de divulgação da PGR sobre as quatro acusações contra o ex-governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel, assinados pela subprocuradora-geral Lindôra Araújo, foram publicados na página do órgão com dados colhidos a partir de quebra de sigilo bancário dos investigados.

Os releases, como esses textos são chamados, descrevem o montante supostamente recebido em propina, bem como o número de vezes em que houve transações financeiras entre os acusados.


A divulgação de informações desse tipo foi uma das razões para a abertura de PAD pelo CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) contra os 11 ex-integrantes da antiga força-tarefa da Lava Jato do Rio.

Os ex-membros da Lava Jato do Rio foram alvo de reclamação disciplinar protocolada pelos ex-ministros Romero Jucá, Edison Lobão e seu filho Márcio Lobão. Os três foram denunciados pelo procuradores sob acusação de recebimento de propina na construção de Angra 3.

A defesa dos acusados afirma que o texto de divulgação à imprensa sobre a denúncia continha dados obtidos na quebra de sigilo bancário autorizada num inquérito sigiloso sobre o qual não havia qualquer decisão para sua publicização.

O release sobre a denúncia, divulgado um dia após seu oferecimento à Justiça Federal, descrevia o montante total da suposta propina recebida pelos acusados.

"Em propinas, o grupo de Jucá teria recebido ao menos R$ 1,3 milhão, enquanto o de Edison Lobão chegou a receber R$ 9,3 milhões", afirma o comunicado, que também descreveu o número de vezes em que os pagamentos aconteceram.

O corregedor do CNMP, Rinaldo Reis Lima, concordou com a tese dos ex-ministros. Na sessão de terça-feira (19), em que a abertura do PAD foi decidida, o procurador afirmou que a divulgação daqueles dados era irregular.

"São dados que estavam sob sigilo dos procedimentos e que eles não poderiam ser publicizados. O problema não é a publicização das denúncias, mas a publicização dos dados. Não teria havido afronta ao sigilo se tivesse sido fornecido informações do tipo: 'Foi oferecida denúncia por motivo tal, crime tal'. Mas entrar no detalhamento de dados afronta, sim, o sigilo", afirmou o corregedor.

Os procuradores da antiga Lava Jato fluminense afirmam que a divulgação do oferecimento de denúncia é prática comum no Ministério Público Federal, obedecendo o princípio da publicidade e do interesse público.
Os releases da PGR sobre os casos de Witzel indicam que modelo também é adotado na cúpula do MPF.

No dia em que o ex-governador foi afastado, a PGR ofereceu denúncia contra ele e outros acusados sob acusação de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa. O comunicado descrevia informações financeiras obtidas a partir da quebra de sigilo bancário, cujo acesso era restrito na ocasião.

"O [então] governador utilizou-se do cargo para estruturar uma organização criminosa que movimentou R$ 554.236,50 em propinas pagas por empresários", afirma o texto da PGR.

A informação foi obtida a partir das quebras de sigilo bancário e fiscal do escritório de advocacia da ex-primeira-dama Helena Witzel, onde os recursos foram depositados.

O mesmo texto aponta com detalhe o valor pago pelo empresário Gothardo Lopes ao escritório da então primeira-dama: R$ 280 mil.

No mesmo dia, comunicado do STJ (Superior Tribunal de Justiça) afirmava expressamente que o ministro Benedito Gonçalves "manteve o sigilo do inquérito", origem das informações publicadas no texto da PGR.

Informações semelhantes foram reproduzidas pela PGR nas outras três denúncias contra Witzel, em que se descreve montantes supostamente arrecadados com propina, bem como o número de vezes que os repasses aconteceram.

"O grupo iniciou as atividades em 2017, com a cooptação de Witzel para concorrer ao governo, que recebeu, ainda quando era juiz federal, quase R$ 1 milhão", afirmou a PGR na segunda denúncia contra o ex-governador.

"De 8 de julho de 2019 a 27 de março de 2020, Wilson Witzel, se utilizando do cargo de governador do Rio, em ao menos 11 oportunidades, solicitou, aceitou promessa e recebeu vantagens indevidas no valor de R$ 53.366.735,78", aponta o texto da Procuradoria na terceira acusação contra Witzel.
O ex-governador nega todas as acusações.

Em nota, a PGR afirmou que "todas as divulgações institucionais seguem diretrizes estabelecidas pela Política Nacional de Comunicação". "Eventuais questionamentos relacionados a casos concretos serão respondidos nas instâncias adequadas", afirmou a Procuradoria.

As investigações contra Witzel tiveram o apoio da antiga força-tarefa da Lava Jato fluminense. A divulgação das informações, porém, se deu na página da PGR.

A abertura de PAD contra os procuradores da Lava Jato fluminense ocorreu em meio ao debate sobre a PEC (proposta de emenda à Constituição) que altera a composição do órgão e dá mais poder ao Congresso no colegiado.

Um dia antes, na segunda-feira (18), o CNMP decidiu pela demissão do procurador Diogo Castor de Mattos, membro da antiga força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, em razão da contratação de um outdoor na capital paranaense em homenagem à operação.

As decisões foram interpretadas por parlamentares como resposta do conselho às críticas de que o órgão é corporativista e hesita em penalizar membros da carreira.

Essa leitura foi feita principalmente por envolver procuradores da Lava Jato, que participaram de diversas ações do MPF contra nomes importantes do mundo político.

A PEC amplia o número de membros do Conselho de 14 para 17, aumentando de 2 para 5 as cadeiras para indicação pelo Congresso. Uma das vagas para indicação do Legislativo seria justamente a de corregedor, responsável pela análise das denúncias contra membros dos ministérios públicos.

Defensores da alteração afirmam que é necessário tornar o órgão mais eficiente e rigoroso em relação às infrações cometidas por procuradores. Associações de classe do Ministério Público, por sua vez, dizem que ela representa uma tentativa de ingerência política no órgão.

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