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contra o feminicídio

STF decide que legítima defesa da honra em feminicídio é inconstitucional

Voto do relator Dias Toffoli foi seguido por todo o colegiado; Carmen Lúcia e Rosa Weber se posicionaram firmemente

A presidente do STF, ministra Rosa Weber, disse que a tese é "patriarcal", "anacrônica" e "autoritária"A presidente do STF, ministra Rosa Weber, disse que a tese é "patriarcal", "anacrônica" e "autoritária" - Foto: Carlos Moura/STF

Em seu primeiro julgamento após a volta do recesso do Judiciário, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, nesta terça (1º), que a tese de legítima defesa da honra não pode ser usada para absolver acusados de feminicídio. A decisão pela inconstitucionalidade do tema foi unânime.

O julgamento teve início na última semana de junho, com o voto do ministro relator, Dias Toffoli. Ele alegou que a tese é inconstitucional por contrariar os princípios da dignidade da pessoa humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero, devidamente expressas na Constituição Brasileira. No retorno do julgamento, o voto de Tofolli foi seguido por todos os ministros do STF.

A partir da tese de legítima defesa da honra, o argumento usado era de que um assassinato ou uma agressão contra uma mulher eram aceitáveis quando a vítima supostamente “ferisse a honra” do agressor, em casos de adultério, por exemplo.

Ação
A decisão do STF atende a uma ação protocolada em janeiro de 2021, pelo PDT (Partido Democrático Trabalhista). Naquele ano, Dias Tofolli já havia decidido, através de uma liminar, que fosse anulado qualquer julgamento em que fosse utilizada a tese da legítima defesa da honra. À época, ele chamou o argumento de “esdrúxulo”. 

Ministro Dias Toffoli durante sessão do STFDias Toffoli foi o ministro relator do caso. Foto: Nelson Jr./STF

No julgamento, o ministro defendeu que policiais, advogados e juízes sejam impedidos de utilizar a tese, seja de forma direta ou indireta. A vedação também seria aplicada durante o processo de investigação e na chegada dos processos ao júri.

Em seu voto, o ministro afirmou que a tese "remonta a uma concepção rigidamente hierarquizada de família, na qual a mulher ocupa posição subalterna e tem restringida sua dignidade e sua autodeterminação". Também na decisão do relator, a defesa do agressor não poderá usar a tese e, depois, tentar a anulação do tribunal do júri.

Votos
A ministra Cármen Lúcia seguiu o voto de Tofolli, afirmando ser doente a sociedade que trata as mulheres de forma inferior aos homens. "Uma mulher é violentada a cada quatro minutos. A violência contra mulher na pandemia aumentou ensandecidamente. Temos que provar que não somos parecidas com humanos, somos igualmente humanos. Não tem nada de sentimento nisso, é apenas um jogo do poder machista, sexista e misógino, que mata as mulheres por elas quererem ser apenas como são, donas de suas vida", falou a ministra, ao lembrar que na época do Brasil Império as leis davam ao homem o poder sobre o corpo e a vida das mulheres. 

Ministra do Supremo Tribunal Federal Cármen LúciaMinistra Carmen Lúcia citou arcabouço legal do Brasil Império para criticar legítima defesa da honra. Foto: Carlos Moura/SCO/STF

A presidente do STF, ministra Rosa Weber, também criticou a tese. “A teoria da legítima defesa da honra traduz expressão de valores de uma sociedade patriarcal, arcaica, autoritária, é preciso enfatizar, cuja cultura do preconceito e da intolerância contra as mulheres sucumbiu à superioridade ética e moral dos princípios humanitários da igualdade, da liberdade e da dignidade da pessoa humana”.

Histórico
Ao longo da história, a legislação brasileira previu normas que chancelaram a violência contra a mulher.

Entre 1605 e 1830, foi permitido ao homem que tivesse sua "honra lesada" por adultério agir com violência contra a mulher. Nos anos seguintes, entre 1830 e 1890, normas penais da época deixaram de permitir o assassinato, mas mantiveram o adultério como crime.

Somente no Código Penal de 1940, a absolvição de acusados que cometeram crime sob a influência de emoção ou paixão deixou de existir. Contudo, a tese continua a ser usada pela defesa de acusados para defender a inocência.

Um caso emblemático vem de 1976, quando do assassinato da socialite Ângela Diniz pelo namorado, Doca Street. Poucos dias depois de terminarem o relacionamento, Doca matou Ângela brutalmente, com quatro tiros no rosto.

O crime ocorreu durante uma discussão do casal, na Praia dos Ossos, em Búzios (RJ), onde ela tinha uma casa de veraneio. Na época, a defesa de Doca usou a tese da "legítima defesa da honra" e ele disse ter matado Ângela "por amor".
 

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