Suspenso decreto que exonerou peritos de mecanismo de combate à tortura
Em junho, o presidente Bolsonaro editou decreto que retirou os cargos formais dos membros do colegiado, transformando em atividade não remunerada
A Justiça do Rio de Janeiro suspendeu decreto do presidente Jair Bolsonaro (PSL) que extinguiu os cargos do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.
A liminar do juiz Osair de Oliveira Jr., da 6ª Vara Federal do RJ, diz que "a não extinção do órgão não significa que o mesmo continue em funcionamento" e determina que os onze peritos sejam reintegrados aos cargos comissionados, com remuneração.
A reportagem mostrou que depois de exonerar todos os peritos do Mecanismo que monitora violações de direitos humanos, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos retirou o apoio administrativo ao colegiado.
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Em junho, o presidente Bolsonaro editou decreto que retirou os cargos formais dos membros do colegiado, transformando em atividade não remunerada. Ou seja, o texto, embora tenha mantido o mecanismo em funcionamento no papel, fez com que os peritos passassem a exercer a função como voluntários e não mais como funcionários públicos.
Segundo peritos ouvidos pela reportagem, o grupo continuou trabalhando por dois meses sem receber, até ter o acesso ao prédio do ministério limitado.
Em ofício assinado no dia 2 de agosto, a secretaria de Proteção Global do Ministério de Direitos Humanos determinou que o acesso dos peritos fosse controlado por meio de solicitação a cada entrada, tornou o uso de salas internas condicionado a agendamento prévio, retirou o acesso interno ao SEI (Sistema Eletrônico de Informação) por onde eram mantidas as atividades e redistribuiu os funcionários técnicos alocados no mecanismo.
Críticos da medida argumentam que isso significa concretamente o fim do combate à prática de tortura no Brasil. O grupo defende que o trabalho desenvolvido no mecanismo necessita de dedicação exclusiva de seus membros e de apoio administrativo.
O MNPCT foi criado em 2013 e faz estudos e relatórios sobre violações de direitos humanos, em diversas instituições de privação de liberdade, como presídios e hospitais psiquiátricos. Em 2017, o grupo visitou prisões em Roraima, Rio Grande do Norte, Mato Grosso e Tocantins.
Foram eles também que elaboraram relatórios sobre a situação de presídios como o Compaj (Complexo Penitenciário Anísio Jobim), no Amazonas, onde 111 presos foram mortos em massacres de 2017 a 2019.
O mecanismo foi instituído para cumprir um compromisso internacional assumido pelo Brasil na ONU. Em fevereiro, os peritos já tinham acusado o ministério comandado por Damares Alves de impedir uma viagem para apurar denúncias no Ceará.
O estado passava por uma grave crise de segurança pública. Em 4 de janeiro, em meio a ataques contra ônibus, comércios e prédios públicos em diversos municípios cearenses, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, autorizou o envio da Força Nacional.
Segundo o grupo, o ministério não liberou o dinheiro da viagem, que incluía passagens para quatro pessoas (três peritos e um especialista convidado) e hospedagem para uma semana.
Foi uma situação inédita nos cerca de quatro anos de existência do mecanismo.
Desde então, o MPF (Ministério Público Federal) e a DPU (Defensoria Pública da União) afirmaram que iriam recorrer à Justiça para barrar a medida.
O país também foi chamado a se explicar na ONU por esvaziar mecanismo. O subcomitê da Organização das Nações Unidas para a prevenção da tortura pediu reuniões com a Missão Permanente do Brasil em Genebra para cobrar explicações sobre o decreto do presidente dizendo ter "sérias preocupações".
Procurada, a Advocacia-Geral da União afirmou que ainda não foi notificada da decisão da Justiça do Rio e que recorrerá.