Sabores

As carnes nobres estão mudando o churrasco brasileiro

Uma carne de qualidade vai além da definição do corte. Está na procedência da raça e nos cuidados alimentares do gado até o momento do abate

Valorizado na Argentina, o bife de tira é o centro da  picanhaValorizado na Argentina, o bife de tira é o centro da picanha - Foto: Ed Machado/Folha de Pernambuco

 

Já foi o tempo em que picanha, maminha e cupim eram pedidas onipresentes no churrasco brasileiro considerado premium. Nada contra elas, pelo contrário. De um tempo para cá, esse seleto grupo de cortes nobres ganhou o aporte robusto das opções típicas de países estrangeiros, que deixaram o cardápio com ares de boutique de carne.
Nomes como t-bone, porterhouse, tomahawk, bife ancho e tantos outros que você encontrará ao longo dessa reportagem ganharam espaço cativo na prateleira dos açougues, bem como nas grelhas e chapas dos restaurantes. Não se trata de uma parte nova do boi descoberta por cientistas. O que os churrasqueiros mais experientes costumam defender é a mudança no conceito de criação de gado, impulsionada pelo olhar exigente do comensal brasileiro.
Para se ter uma ideia, a parte traseira do boi sempre esteve na preferência do consumidor por conta da maciez encontrada nessa região. Em paralelo, o lado dianteiro do animal vivia sendo subutilizado por oferecer carnes mais rígidas e trabalhosas para o cozinheiro de primeira viagem. O acém, por exemplo, não deixa mentir. Mas essa preferência cultural só começou a mudar quando o mercado entendeu o valor do gado a partir da raça criada com toda a pompa e procedência. Com esse atestado de origem, qualquer parte do bicho pode ser aproveitada sem medo, a depender da finalidade.
Tudo começa pela raça
Segundo o chef Leandro Ricardo, que costuma dar aulas sobre o assunto, ainda nos anos 1980 o gado brasileiro era basicamente Nelore. Com o tempo, iniciou-se o cruzamento de outras raças resistentes ao nosso contexto climático, agregando à produção local carnes com a maciez típica da Europa, especialmente inglesas. “Essa nova era de cruzamentos genéticos associados ao boom gourmetizador mudou o cenário. Para a retirar a parte traseira, começaram a usar técnicas de açougue mais refinadas, enquanto houve o melhor aproveitamento da parte dianteira”, explica.
O resultado é um boi maior e mais gordo, criado sem o confinamento extremo, longe de qualquer estresse e com a alimentação controlada. Cuidados específicos para tensão nenhuma envolver a carne, que, finalmente, alcança a suculência desejada pelo mercado. “Com isso, o produtor passa a ter também um custo maior que é então repassado para o valor final do produto”, justifica o chef.
Segundo o gestor do The Black Angus da Conselheiro Aguiar, em Boa Viagem, Marcos Nascimento, a Argentina segue como produtor de destaque. No entanto, o mercado brasileiro enxerga no Mato Grosso uma criação em potencial, a partir de raças como a Black Angus. De lá vem parte do fornecimento da casa, que, entre os seis cortes especiais bovinos disponíveis no cardápio, três despontam como campeãs de venda. “Bife de tira, prime rib e t-bone ganham em disparado por conta da textura e suculência de cada uma”, justifica.

Prime rib é sugestão nobre no cardápio

Prime rib é sugestão nobre no cardápio - Crédito: Ed Machado/Folha de Pernambuco

Marmoreio e maturação

A moral da história é que a famigerada nobreza da carne não tem mais a ver com o fato de ser picanha, maminha ou filé mignon. Hoje, o valor real dessa proteína está no chamado marmoreio, que indica a quantidade de gordura boa na parte interna, capaz de dar ao insumo maciez e estrutura. Algo bastante valorizado na raça japonesa Wagyu, por exemplo, também conhecida como kobe beef, com seu teor mínimo de líquido em torno de 45%. É, inclusive, um dos mais caros do mercado, em torno de R$ 400/kg.

“Já o conceito de carne maturada existe muito antes. Acontece dentro de uma câmara com temperatura ideal para as próprias enzimas do produto quebrarem na intenção de deixá-lo mais macio. Por isso, quando a gente abre um desses na cozinha sente um mal cheiro tremendo, que é resultado de todo esse processo químico”, detalha Leandro Ricardo.


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São informações que o público da rede Pobre Juan se mostra familiarizado, segun­do o gestor da unidade do Recife, Henrique Santos. “Pelo menos 90% das pessoas conhecem bem o nosso cardápio e sabem exatamente o que quer. Tem sido assim desde a nossa chegada à Capital pernambucana, em 2010. É gente que costuma viajar para outros países ou mercados brasileiros fortes, como São Paulo”, conta. Na lista de queridinhos, o corte homônimo da casa é campeão de vendas. “Um filé de costela bastante macio e marmorizado. Vendemos até 180 peças por mês, o que, para um único corte, é um número alto. Outros tipos ficam na média de 60 saídas por mês”, completa o gestor.

Mãos na carne
O consumo de carne no Brasil duplicou desde 1990, segundo dados do setor. Para um produto tão importante assim, investir nas formas corretas de preparo é o mesmo que valorizar características básicas. Por isso, na hora de escolher a receita, os chefs lembram que fazer cozidos ou acrescentar molhos gordurosos pode trazer alguns conflitos de sabor. Para não errar, o churrasco feito da maneira mais simples, à base de sal, resolve bem a situação.

“Elas são carnes fáceis e rápidas de fazer por conta da qualidade. Na parrilla você chega com um steak, que é a fatia do bife, e coloca apenas dois minutos para cada lado e está pronto”, sugere alexandre Farias, especialista em defumação artesanal, quando leva apenas tempero e fumaça de lenha frutífera “No meu trabalho, a defumação acontece com fumaça em baixa temperatura e isso difere da onda que valoriza apenas as carnes nobres”, defende.

Ainda segundo o especialista, no caso da defumação feita em temperatura e tempo controlados, o processo consegue transformar até os cortes que não são valorizados da parte dianteira. “O peito de boi, que é o brisket, leva entre 10 e 14 horas na defumação. Ainda é uma parte desprezada em açougue, cujo quilo sai a R$ 10 no supermercado”, destaca. Por outro lado, opções como bife ancho custa em média R$ 70/kg. Já o bife de tira fica em torno de R$ 55/kg. Enquanto o prime rib tem R$ 60/kg e o filé de costela R$ 40/kg.

Curiosidade
Em apenas 100g de carne vermelha é possível obter mais de 30% da quantidade ideal de ferro por dia.

 

 

 

 

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