Entrevista

Monja Coen sobre pandemia: 'Essa dor só vai melhorar se nos auxiliarmos mutuamente'

Missionária zen budista fala sobre como lidar com momentos de dificuldades em seu mais novo livro

Monja Coen, missionária zen budista - Reprodução/Facebook

Em seu novo livro, intitulado “Ponto de virada: O que faz uma pessoa mudar?” (Editora Academia), Monja Coen oferece uma reflexão serena sobre um dos momentos mais desafiadores da história humana. Escrita durante a quarentena, a obra lança ao leitor a proposta de enxergar a pandemia como uma oportunidade para empreender mudanças positivas. Em entrevista à Folha de Pernambuco, a escritora e missionária zen budista falou de meditação, desapego e outras formas de lidar com os impactos da Covid-19. 

A senhora acredita que a humanidade pode sair transformada da pandemia?

Gostaria muito que isso acontecesse, mas acho difícil. A transformação acontece o tempo todo e todos nós estamos sempre nos modificando, mas existem pessoas que ainda pensam muito pequeno. Alguns não percebem que nós somos um todo manifesto e que, quando você faz bem ao outro, faz bem também a si mesmo. Há pessoas que são muito egóicas. Vimos nesta pandemia gente vendendo, por exemplo, álcool em gel falsificado e respiradores que não funcionavam. Essa é a prova de que não é porque estamos vivendo um momento de grande sofrimento que todo mundo desperta e vira pessoa boa. Muitas pessoas ficaram mais solidárias e partilharam o que tinham, enquanto outras correram para os supermercados e compraram tudo o que puderam. Dentro dos seres humanos há inúmeras possibilidades e todas elas estão em aberto. A maneira como lidamos com a realidade é que vai nos transformar e transformar o nosso meio. Essa dor que estamos sentindo só vai melhorar se estivermos juntos e nos auxiliarmos mutuamente. Isso eu chamo de despertar da consciência. Só que nem todos têm essa capacidade. Se a humanidade vai melhorar ou piorar, eu não posso dizer. Algumas pessoas terão sim uma maneira nova de viver, cuidar e consumir, mas não será a maioria não.

Como foi o processo de escrita do seu novo livro em meio à pandemia?

Em janeiro, a minha editora me solicitou dois livros. Um seria para o primeiro semestre e o outro para o segundo. Me deram o título, fiquei pensando sobre o que eu falaria, o contrato ficou pronto e, quando sentei para escrever, a pandemia chegou junto. Aí não dava para viver uma realidade separada do que estava acontecendo. Então, o livro tem muito a ver com esta situação. Nós temos que dar uma virada nesta história. Em vez de ficarmos só reclamando, querendo que fosse diferente e tentando encontrar culpados, devemos refletir sobre o que a gente pode fazer para viver com lucidez esses dias. Como eu aprecio a minha vida onde ela está e não onde gostaria que estivesse? Então, eu relato várias coisas que aconteceram durante esses meses, de março a junho. Foram dois meses e meio de pandemia escrevendo, recebendo influência do que estava acontecendo conosco, e dizendo: é possível você dar a virada. Mudamos o nosso olhar, a maneira de falar e de ser para o mundo. Todos podem fazer isso, mas é preciso querer também. Não é ficar deitado numa cama, imaginando quando tudo isso vai passar. A gente tem que estar vivo, presente onde a gente está, apreciando a vida seja qual for a circunstância, e não pensando que sua felicidade e bem-estar está lá adiante. Não pode ser assim. Você tem que estar bem aqui e agora. No meio desse desequilíbrio todo, você tem que encontrar o seu ponto de equilíbrio. 

Qual é a importância do desapego - um dos temas abordados no seu livro - como ferramenta para lidar com as dificuldades que a pandemia nos trouxe? 

Não podemos estar apegados a coisa alguma. Quando eu me grudo em algo eu quero que ele seja permanente, mas não há nada que seja fixo nesse mundo. Tudo é transitório: a alegria, a tristeza, o amor, o desamor, a briga. Tudo passa. Então, quando perceber isso, você abre as mãos e tudo o que existe cabe nelas. O apego a uma coisa só nos limita, nos impede de ser. As pessoas acham que é bonito, quando começam a namorar, os ciúmes. O amor verdadeiro é livre. Claro que tem uma preocupação, um cuidado, mas não aquele desespero, que pode chegar até a violência. O desapego é a capacidade de você não ficar limitado por aquilo que você acha que é seu e perceber que a gente pode compartilhar.

Como devemos lidar com o acúmulo de notícias tristes provocado pela pandemia?

Assim como há notícias ruins, há notícias boas. A gente precisa olhar os dois lados da moeda. Há muita gente morrendo, mas também nasceram pessoas no mundo todo, bebezinhos de todos os tipos e de todas as cores. Claro que o que nós estamos passando é excepcional e temos que dar atenção especial sim a essas mortes, orar por cada uma delas, lamentar junto com as famílias este sofrimento. Nós temos empatia, que é a capacidade de sentir o que o outro está sentindo. Se você vê uma pessoa chorando, você chora junto e se pergunta o que pode fazer para minimizar a dor do outro. Eu fiz algumas doações para grupos que distribuem cestas básicas, por exemplo. Me senti um pouco ativa, um pouquinho só, mas é uma forma de contribuição para aqueles que precisam. Então, você encontra um estado de tranquilidade. Tem coisas bonitas acontecendo e também tem muita coisa feia: pobreza, diferenças sociais, discriminação. Esse vírus deixou tudo escancarado, para o bem e para o mal. Esse é o momento em que aqueles que têm o mínimo de consciência começam a fazer coisas que são benéficas para todos, não só para si. Talvez, esse seja um olhar que a gente tenha que desenvolver, porque nos dá uma medida. Onde estamos agora e para onde estamos indo? Tem que encontrar um equilíbrio. Não dá para ficar o dia inteiro procurando notícias prejudiciais, mas também não pode fugir da realidade. 

A meditação tem encontrado cada vez mais adeptos. Quais são as dicas para quem quer iniciar essa prática no seu cotidiano?

A meditação é um processo interessante e, como tudo, é um treinamento. Você não vai ficar uma semana inteira meditando se você nunca meditou na vida. É como alguém que vai correr uma maratona sem nunca ter feito uma caminhada antes. Nós vamos aprendendo aos poucos. A gente começa com exercícios básicos e simples de respiração consciente. Isso ainda não é meditação. É aprender a dar foco. Há técnicas, que chamam em inglês de mindfulness, de plena atenção. Você está presente onde você está. Isso melhora o nosso espírito e diminui a ansiedade. Alinha a coluna vertebral e a cervical, as orelhas ficam em linha com os ombros, o nariz com o umbigo. Esse é um exercício respiratório que pode facilitar a meditação. Quando você inspira, não puxa o ar. Apenas percebe que a caixa torácica se expande e o pulmão se enche. Aí você dá uma pequenina pausa e começa a soltar bem devagarzinho pela boca, suave, sem pressa nenhuma. Faz isso o mais longo possível, abrindo a glote, fazendo barulho. Repete mais umas duas vezes e, depois disso, fecha os lábios, põe a ponta da língua no céu da boca e fica bem quietinho. Não precisa fazer nada, não tem que parar coisa nenhuma. Observa o ar entrando e saindo dos pulmões. Ee vai sozinho, não tem que forçar. Você começa a notar pensamentos, memórias, sensações, emoções e vai perceber que nós somos múltiplos, que a nossa mente é incessante e luminosa. Não queira pará-la. O processo meditativo começa aí. Se cinco minutos for muito, tente por três. Pode parecer uma eternidade no começo, porque estamos acostumados a ter estímulos neurais o tempo todos. De repente, você vai parar e ficar olhando para a sua própria mente. Vão aparecer histórias da infância, coisas que você pensou que tinha esquecido, momentos bons de lembrar e outros ruins. Mas não é preciso parar em lugar nenhum, apenas perceber que tudo isso somos nós. É mais simples do que a gente pensa. Criamos uma ideia de que meditar é sair da realidade, mas não é não. É estar presente nela.