'Kit Covid não funciona e ainda faz mal', diz médico que entrou com representação contra CFM
Professor da USP e diretor do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas, o cardiologista Bruno Caramelli, fala em entrevista à Folha de Pernambuco
Professor da Universidade de São Paulo (USP) e diretor do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas, o cardiologista Bruno Caramelli entrou com uma representação no Ministério Público Federal solicitando que o órgão investigue a atuação do Conselho Federal de Medicina (CFM) sobre o tratamento precoce contra a Covid-19. Em entrevista à Folha de Pernambuco, ele fala sobre a problemática envolvendo o uso de medicamentos sem comprovação científica no combate ao coronavírus e os desafios no enfrentamento da pandemia.
O que o senhor acha do posicionamento do Conselho Federal de Medicina no que diz respeito a autonomia médica e kit Covid?
É um posicionamento errado. Off label é um termo que é usado em farmacologia e em tratamento médico para uma coisa para a qual não tem aprovação, então não tem essa de defender autonomia médica para um tratamento que não está aprovado. Eu poderia até dizer que existisse lá atrás algum benefício eventual, no começo da pandemia, quando não existia uma comprovação científica inquestionável de que esses tratamentos não funcionam. Agora, além de saber que não funcionam, para a hidroxicloroquina, por exemplo, já existem evidências de que faz mal, mata. Então, isso é uma questão de cumplicidade. É estimular e permitir o erro médico.
A que o senhor atribui então o fato de o CFM não rever esse posicionamento sobre o kit Covid?
A primeira razão é fácil de explicar porque tem um conflito de interesse do próprio Conselho Federal de Medicina. A segunda questão é que existe um receio muito grande de ir contra o governo, contra o presidente da República. Eles têm medo de confrontar uma posição do líder do governo que está exibindo kit de caixa de cloroquina. Estão sendo pressionados politicamente.
Por que o senhor acredita que ainda existe, de certa forma, uma resistência de parcela dos médicos em continuar aplicando essas medicações?
Eles fazem isso porque ganham com isso. A segunda questão importante é que não é proibido. O cara não tem medo porque acha que não faz mal e não é proibido em qualquer lugar do mundo que você receber esse tratamento e passar mal, você não vai conseguir processar médico nenhum, porque a justiça vai remeter ao conselho federal e não vai adiantar nada.
O que o motivou a entrar com uma representação contra o CFM no MPF e o que o senhor espera?
Para poder fazer eles pararem só o Ministério Público Federal. Só com essa condenação é que você ou alguém da sua família, ou outro cidadão, se se sentir lesado vai poder tomar providência, e esses médicos vão ser punidos por estarem prescrevendo uma coisa que não adianta. Hoje esses profissionais não têm medo. Então, o objetivo é esse, que parem com essa história.
Até que ponto essa insistência no kit Covid atrapalha o combate à pandemia?
As pessoas se sentem falsamente protegidas, não fazem o isolamento, param de usar máscara e se infectam mais. Atrapalha porque não funciona, porque faz mal e porque cria o distrator. Tira o foco do isolamento, de usar máscara e dos cuidados.