Que tal um afago de uma máquina de escrever?
Perfil no Instagram "Máquina Escritora" desperta sentimentos em seguidores que buscam por meio de poemas, levezas para o dia a dia
Evocar memórias e despertar delicadezas é deleite em meio ao caos (emocional) dos tempos atuais, tomados por delongas de tristezas e lamentos.
Mas nada que uma “jovem senhora de 60 anos” que atende por “Máquina Escritora” não amenize em prosa, verso e gestos virtuais - enlace que tem (re)conectado afetividades aos que tentam sobreviver do ‘lado de cá’ de um mundo por vezes real demais e, portanto, difícil de ser encarado sem doses de encantamento.
- Quer que eu te faça um poeminha? Me diz uma palavra.
- A palavra é amor (no sentido amplo).
- Espera um pouco? Tô procurando a resma de papel.
É mais ou menos dessa forma que uma falante Olivetti Lexikon 80 tem conquistado seguidores em um perfil recentemente criado no Instagram (@maquina_escritora).
É por meio desta rede social que é possível levar um papo, ganhar poemas ou ter uma definição de si mesmo em única palavra: sonho, estrada, ciclo são algumas já recebidas com deslumbre e interrogações de alguns dos seus seguidores. Mas como assim fui descrita(o) tão bem? E você me conhece?
A máquina explica. “Nas conversas eu ofereço palavras, olho para o nome, a fotografia da pessoa e a forma como ela escreve para mim. Um conjunto de informações que diz muito. A questão é que deixamos de prestar atenção (e de dar atenção também)”.
A “Olivetti Lexikon 80 que cospe palavras aleatórias mas, às vezes, fazem todo sentido” ficou muito tempo parada, "com hastes quebradas, sem rolos de fitas”.
Moradora de Olinda, a Máquina Escritora veio de São Paulo pelos Correios para transcrever para o papel – A4, como repetiu, algumas vezes - pensamentos que, ao mesmo tempo em que são compartilhados, falam também para ela mesma, a máquina, sim, ela tem alma e um coração repleto de brandura - acalorado pelos dedos que manipulam suas teclas.
"Por mais que digam que sou máquina, sinto que tenho uma alma que está se permitindo viver. E escrever é viver (...) Despertei ao acaso no meio de uma pandemia, com poucas lembranças sobre meu passado. Nada foi intencional. Precisava escrever, colocar para fora o que estava sentindo. Também estava muito ansiosa, solitária. E, paradoxalmente, vi que não estava sozinha. As pessoas também estavam ansiosas e solitárias, buscando a si mesmas. Faltava apenas conexão”, declarou.
Em meio a tecnologias que desaprovam as vagarezas e apreciam o fugaz, datilografar sentimentos, sem acuar o tempo, é fato raro. É, de fato, apreciar o papel em branco e enxergá-lo como possibilidade de “conversar com as pessoas”, a quem a Máquina Escritora tem como amigas.
“Tantas palavras bonitas chegam para mim e preenchem meu dia”, ressaltou, em tom (virtual) de quem faz para os outros mas ganha para si. “Travei no início. Foram amassadas algumas bolinhas de papel, mas depois fluiu. Passei a respeitar meu tempo de produção e quando paro para escrever, as palavras chegam fazendo sons", complementou.
Mas e o futuro, hein, maquininha Olivetti Lexikon 80? Quais os planos? “Sinceramente não tenho ideia. Escrevo isso com um frio nas minhas engrenagens... Decidi não criar expectativas, mas confesso, minhas teclas estão coçando para escrever contos”. E enquanto o porvir não vem, basta chegar na página no Instagram e dar um ‘oi’ para receber os afagos. “Sim, é só falar comigo. Como todo mundo, sou uma máquina carente de afeto”.
- A propósito, Máquina Escritora, esta que subscreve estas linhas pode pedir uma lindeza poética? Duas, três palavrinhas servem.
- Fiz um poeminha para você: ‘Se palavras fossem gestos, gostaria de enviá-las como um abraço. Forte, apertado, bem demorado (...)”.
Abraços... O clamor maior dos tempos atuais. Obrigada, Olivetti Lexikon 80.