Cinema

'A Última Floresta' revela toda a potência do povo Yanomami

Longa-metragem Luiz Bolognesi mostra o cotidiano e a cosmologia de uma comunidade isolada na Amazônia

Filme "A Última Floresta" - Pedro J Márquez/Divulgação

Em todo o Brasil, etnias indígenas mobilizam-se contra o chamado “marco temporal”, proposta em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF) que visa restringir os direitos dos povos originários à demarcação de terras. É nesse momento extremamente delicado que “A Última Floresta”, novo filme do diretor Luiz Bolognesi, chega às salas de cinema, com estreia nacional marcada para esta quinta-feira (9). Ainda sem data no Recife, a obra ganhará exibição online no dia 30 de setembro, das 19h às 23h, através da plataforma Itaú Cultural Play.



O longa-metragem acompanha o dia a dia de um grupo Yanomani vivendo em um território isolado na Amazônia. Bolognesi, que já havia dirigido o premiado “Ex-Pajé” (2008), sobre o avanço das igrejas evangélicas em uma tribo, dividiu o roteiro deste novo trabalho com uma liderança local. DaviKopenawaYanomami, xamã, escritor e ativista político, foi o porta-voz da comunidade indígena na construção do filme, que mistura documentário e ficção. 

“Depois de ter filmado um xamã sob ataque, eu achei que deveria mostrar também quem a faz resistência. Foi quando li o livro do Davi, ‘A Queda do Céu’, e pensei em buscar essa poesia que está no cotidiano desse povo”, relembra o diretor. Para chegar até os Yanomami, meses antes do início da pandemia de Covid-19, o cineasta e sua equipe precisaram enfrentar quatro dias de viagem e uma negociação com os indígenas. 


A potência do pensar dos índios

“O Davi é muito ‘papo reto’. Disse que viu meu longa anterior e não gostou, porque o pajé aparece muito fraco nele. Ele me disse que não queria um filme sobre índios morrendo na rede, mas algo que expressasse a potência do modo de pensar e viver deles”, compartilha. O convite para participar da produção só foi aceito com a condição de que ela fosse feita "ao modo Yanomami’" de forma absolutamente coletiva. 

DaviKopenawa conta que, antes de autorizar as filmagens, conversou com a comunidade. “Nós decidimos, em conjunto, deixar uma pessoa de fora filmar a nossa imagem e mostrá-la ao povo da cidade. Todos ficaram muitos felizes, porque o mundo todo finalmente agora pode conhecer e ver como é bonito o povo da floresta, com nossa língua e nossa cultura”, aponta o xamã. Exibida em sessões internacionais, a obra vem conquistando reconhecimentos públicos. O principal deles foi em junho, quando venceu o prêmio do público na mostra Panorama no 71º Festival de Berlim. 

Realidade de descaso

“A Última Floresta” chama atenção para o descaso sofrido pelos indígenas brasileiros ao longo dos séculos e agravado nos últimos anos. O recrudescimento do garimpo ilegal de ouro no território é uma preocupação retratada em cena atarvés das palavras de Davi, que o tempo todo alerta os jovens da comunidade sobre os riscos de ceder às investidas dos brancos. 

“Mostramos que o homem da cidade vem estragar nosso meio ambiente, trazendo doenças e destruição. Os invasores estão com muita raiva, querendo pegar a nossa terra. Isso não podemos deixar. Minha luta é a defesa do meu povo, que precisa ser preservado”, afirma. 

"Metodologia" yanomami

Ao abraçar como linguagem a cosmologia do grupo indígena em questão, o processo de construção do filme escapou das metodologias comumente utilizadas no audiovisual. As diferenças estão presentes desde a forma como o roteiro foi pensado. “Os sonhos são muito importantes para o Yanomami. Eles explicam o dia a dia. Passamos dez dias de trocas, conversando sobre o que a gente havia sonhado de noite e, depois, o Davi reuniu os xamãs. Meu trabalho foi muito mais de costurar essa trama que eles trouxeram”, conta Luiz.

Com moradores da aldeia atuando em sua própria língua, o longa encena o conto dos irmãos gêmeos Omama e Yoasi, que na mitologia Yanomami explica a origem do povo da floresta e dos que vivem na cidade. Bolognesi afirma que aprendeu uma nova maneira de dirigir um filme com a vivência em terras indígenas.

“Eles têm uma liderança diferente, que não é autoritária. Resolvi abrir mão do controle como diretor. Não trabalhamos com ordem do dia, porque os índios não gostam desse agendamento do futuro. O resultado é que tudo fluiu com muito menos estresse”, revela.