Dia das Bruxas: conheça as assombrações que fazem história em Pernambuco
Narrativa pernambucana possui imaginário regado a lendas urbanas, figuras folclóricas e mistério
“Dizem que o Recife é a cidade mais assombrada do Brasil... E eu acredito”, afirma o escritor do gênero de horror e jornalista Roberto Beltrão, sem medo de soltar um exagero. Em meio a lendas urbanas, personagens fictícios e situações sobrenaturais há uma rica cultura oral e folclórica ligada à expressão do mundo fantástico. Cenário fértil para a construção de histórias, cuja fórmula nunca se esgota no campo artístico, mesmo que em períodos distantes do Halloween.
Na Capital pernambucana essa produção tem registros literários marcantes, conduzidas por escritores como Carneiro Vilela, com o seu “O esqueleto - crônica fantástica de Olinda” (1871), além do clássico de estética realista “A emparedada da Rua Nova” (1886). Gilberto Freyre também assinou crônicas sociológicas através do “Assombrações do Recife Velho” (1955), enquanto Jayme Griz publicou “O lobisomem da Porteira Velha (1956) e “O cara de fogo” (1969). Desses autores nascia uma espécie de cidade gótica nos trópicos, que se constitui a base das narrativas atuais.
A tradição permanece
Para Roberto Beltrão, um dos idealizadores do portal Recife Assombrado - criado no começo dos anos 2000 - existe, sim, um imaginário ‘made in Pernambuco’. “A cultura de massa e os grandes streamings têm referência pop, abordando figuras como o vampiro, que já estão segmentadas no mundo todo. Mas nesse campo também existe espaço para o nosso imaginário”, afirma, com base nos contos horripilantes ouvidos desde a década de 1970.
Naquela época, o Recife era tomado por lendas como “A perna cabeluda” e “Papa-figo”. Quem viveu parte da infância no Interior do Estado, deve lembrar até hoje das histórias em torno de “Cumadre Fulozinha” e o “Velho do Saco”, tão símbolos na Zona da Mata pernambucana. Mas quando a essência da história é a Capital pernambucana, Jota Bosco, do projeto Toca o Terror, diz que vai além. “Nossos monstros somos nós mesmos ou fruto de nossos atos. Isso faz com que a produção recifense do gênero seja enorme e passeie pelos mais diversos meios”, diz ele, que também lançou dois curtas: “Domingos" (2015) e "Última Puella" (2017).
Múltiplas plataformas
Pluralidade, que não se abala com as dificuldades comuns ao gênero, como orçamento limitado e até preconceito de parte do público consumidor de entretenimentos, segundo observa o produtor Queops Negronski, um entusiasta no assunto. “Apesar do conhecimento adquirido enquanto fã, existiam facetas e entendimentos desse tipo de cinema que me passavam despercebidos e, desde então, tenho dedicado mais tempo a esse conhecimento, mas o meu envolvimento com o terror é bastante plural”, comenta Queops.
Transportar o contexto tenebroso para o audiovisual é lidar com um campo infinito. Tire como exemplo os filmes “Sexta-feira 13” e “O Iluminado”. São diferentes entre si, mas alinhados na trama do horror. “O que auxilia são os arquétipos visuais e narrativos. O terror, independente da época, vai lidar com características visuais, a representação do personagem e da cidade, quem é a pessoa e o mau ali representados. Há pesquisadores que dizem que esse tipo de cinema é o que mais permite você entender aquela sociedade em que se vive”, diz o jornalista e pesquisador Filipe Falcão.
Para ele, o cinema pernambucano, através de Kleber Mendonça Filho, flerta, de maneira híbrida, com o horror. “Bacurau, por exemplo, tem elementos desse tipo, além de faroeste e roadmovie”, defende. Em tempo, o jornalista lançou no mês de maio o livro “A estrada Amarela”, pela editora Estronho, reunindo contos com ares de suspense.
Linguagem adaptada
Tudo esse universo, envolvendo medo, perda e estranheza, pode estar associado à linguagem infantil, se introduzido de maneira coerente no processo educativo. Assim defende a escritora Camila Inojosa, com o livro “Guia de assombrações para crianças corajosas”, da editora La Ursa - criada por ela e Roberto Beltrão. “Para ela nenhum assunto deve ser tabu. "Há formas de falar, você não vai usar uma linguagem agressiva, mas é possível tratar de tudo”, resume. A publicação abre espaço para esse diálogo, resgatando figuras lendárias da narrativa pernambucana.