Opinião

A meu avô José Cavalcanti Neves

“Se essa rua fosse minha/ Eu mandava ladrilhar/ Com pedrinhas de brilhantes/ Só pra ver meu avô passar”. Com essa adaptação de uma antiga cantiga de ninar, nós netos, desde cedo, dia após dia, veneramos nosso avô José Cavalcanti Neves.

Declamávamos que seria simples tomar posse da rua e revesti-la com pedras preciosas; algo improvável, um tanto quanto próprio da inocência juvenil, reunida todos os domingos na praça do Rosarinho.

Ao passar dos anos, vimos que não se tratava da rua em si mesma, nem de esmeraldas e diamantes, mas sim do caminho, do estradar que é a vida. Enquanto alguns veem pedras, outros caminham, uns tantos apenas observam, há aqueles, como José Neves, que ladrilham cada trecho da estrada que percorrem, pavimentando-a para os que estão por vir.

José Cavalcanti Neves, líder da advocacia nacional, guardião dos direitos humanos, homem de coragem cívica reconhecida em tempos de chumbo, respeitado pela sua honra e retidão, construiu o seu próprio e belo trajeto, foi líder estudantil na Faculdade de Direito do Recife, presidente da OAB-PE por quase 18 anos, o único pernambucano a chegar à presidência da OAB nacional e ser condecorado com a Medalha Ruy Barbosa.

Disse Barbosa Lima Sobrinho a José Neves: “Advogado, os vossos serviços vão sendo multiplicados pelos anos vividos e pelos cargos exercidos. Mas vos peço licença para destacar um, um apenas, entre todos os de vossa vida, a meu ver o maior  o mais importante, aquele que, no Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, discordava do arquivamento do processo instaurado, para apurar o desaparecimento do deputado Rubens Paiva. No ambiente que então se estabelecera, era um atitude de consequências imprevisíveis. E ao votar contra o arquivamento, não precisaíeis de nenhum outro ato, para merecer a Medalha Rui Barbosa.”
Neves removeu as pedras, arou a terra e assentou pessoalmente cada diamante que lapidou.

E, aqui, falo não só da pedra bruta que foi a luta pela OAB, pela advocacia, pelos direitos humanos e pela redemocratização; falo dela, pedra fundamental, do amor à Célia, alicerce para cada uma das suas principais obras, os filhos: Ivan, José, Clóvis, Jorge, Carlos, Marcelo, Maria, Mônica, Filinto, Helena, Humberto e Carol, cada um dos seus netos, bisnetos e tataraneta - obrigado vovô, por esse legado público e familiar.

Fez, por muitos, o trajeto duro e difícil do enfrentamento pelo argumento, do respeito na discordância, sempre incisivo, mas afável, duro, porém gentil, inegavelmente justo. E, da mesma forma que fazia da voz a sua arma, fez dela instrumento de seu amor, declarando-se à vovó Célia em cada palavra e discurso proferido ao longo dos seus 78 anos de convivência.

E, hoje, se temos estrada a percorrer, se andamos com menos pedras no caminho, com um certo brilho no olhar, muito lhe devemos.

Como disse o padre Antonio Vieira, “somos o que fazemos. Nos dias em que fazemos, realmente existimos; nos outros, apenas duramos.” José Cavalcanti Neves existiu por longos 100 anos, e permanecerá vivo na história deste país, da Ordem, da Advocacia, e desta honrosa família Neves, um verdadeiro guerreiro centenário.

É, e como diz a música de Gonzaguinha, consagrada por Fagner:“Guerreiros são pessoas/ Tão fortes, tão frágeis/ Guerreiros são meninos/ No fundo do peito/ Precisam de um descanso/ Precisam de um remanso/ Precisam de um sono/Q ue os tornem refeitos.”

Vai Vô, vai ser refeito junto à Célia, junto aos teus, junto a Deus. 

PS: Homenagem proferida na missa de 7o dia, no último dia 25.11.2021, na Igreja do Colégio das Damas.


*Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco


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