Literatura

'Quem me leva para passear', novo livro de Elisa Lucinda, aprofunda personagem Edite

Se no "Livro do Avesso" (2019), a autora apresentava Edite através de suas anotações, agora coloca o leitor dentro da mente da protagonista

A poetiza, escritora e atriz Elisa Lucinda lança o livro "Quem me leva para passear", nesta segunda (13) - Lucas Leffa / Divulgação

O fôlego literário da poeta, atriz, escritora e multiartista Elisa Lucinda segue se renovando a cada ano. Lançado hoje nacionalmente pela editora Malê, seu 19º livro - a autoficção "Quem me leva para passear" - desenvolve a personagem Edite, criada no "Livro do Avesso" (2019), que já está em sua quarta edição. Recém-chegada da Bienal de Portugal, a incansável Lucinda promove o lançamento em meio à estreia de dois filmes no Festival do Rio, duas séries na Amazon Prime e mais outros projetos sociais pela Casa Poema

Se no "Livro do Avesso" a autora apresentava Edite através de suas anotações, agora coloca o leitor dentro da mente da protagonista, que neste novo livro revela sua profissão: uma cozinheira que viaja o mundo com seus conflitos, reflexões e provocações. Mesmo se utilizando da técnica do fluxo de consiência, muito usada pela escritora Clarice Lispector, Elisa Lucinda faz uma diferenciação da sua personagem com as de Clarisse, que eram mais intimistas. Edite, ao contrário, é levada para diversos cenários: a rua, um jantar com Obama ou dentro da casa de outras pessoas.

Não por acaso, a autora desenvolveu a personalidade de sua Edite a partir do ofício de cozinheira. "Comecei a pesquisar pelas coisas que ela dizia quem é essa mulher. Ela tinha que ter uma profissão que eu também dominasse. Eu sou cozinheira e também gosto de cozinhar. E assim foi. Eu queria que ela circulasse, porque o pensamento da Edite está em várias situações que eu vi. Então, essa profissão de fazer buffets leva ela a viajar. Então fiquei muito apaixonada por ela", comenta.

“Enquanto Edite cozinha, refoga devagarinho o alho para o seu arroz soltinho, ela vai cozinhando o mundo ao seu redor. Bota no fogo os culpados, fatia e descasca hipocrisias, cheira mentiras e deixa de molho a injustiça. (...) Eu chamo Elisa Lucinda de furacão”, declara a escritora e chefe de cozinha Paola Carosella na orelha do novo livro.

"No bairro da Edite, que é o bairro do pensamentro dela, ela encontra coisas. Ela encontra o racismo, ela encontra várias contradições dessa sociedade nossa e todos os embates disso. A Edite é uma mulher preta, só que ela não é panfletária. Ela é muito poética", define a autora, que reconhece a importância política da personagem que criou. "Tudo é política, as relações afetivas e tudo que mexe com compartilhamento e opressão é político. Mas o livro é muito pop nesse sentido. Ele agrada a muita gente de muitas classes diferentes", pondera.



Bloco de notas do "avesso"

"Esse livro nasceu de uma brotação muito expontânea. Quando escrevi o primeiro livro ele era um bloco de notas do meu celular", lembra. Ela conta que estava muito atarefada escrevendo outros projetos grandes (a autobiografia "Fernando Pessoa - O Cavaleiro de Nada" e o livro "Parem de falar mal da rotina" - e para não eprder pensamentos e divagações, criou o bloco de notas chamado "avesso" em seu celular. Desse conteúdo, sugiu o "Livro do Avesso" que ganha agora sua continuação.

"O pensamento mais íntimo, mais sincero e despretencioso eu botava ali. E aí comecei a numerar. Um dia eu escrevi assim: 'Toda vez que meu coração passa em frente ao Hospital Santa Mônica ele bate assim. Minha mãe morreu aqui, minha mãe morreu aqui'. Aí, logo depois, na mesma anotação, uma voz dizia assim: 'Edite (tinha sempre uma voz dentro da cabeça dela) 'Edite, mas isso já faz muitos anos!', relembra.

Mesmo após escrever um livro das anotações de Edite, os pensamentos da personagem não desabitaram seu imaginário. A autora resolveu, então, desenvolver e continuar dando voz à essa mulher que lhe visitava. Agora, em "Quem me leva para passear" é a própria Edite que leva o leitor a viajar nas aventuras de uma cozinheira. "É um livro sobretudo sobre a liberdade de pensar. Acho que a gente está em um momentop de muita opressão e tem gente que não está se permitindo nem pensar. E a Edite ela configura a sua luta por essa liberdade. Ela quer manter essa liberdade".

Parceria e podcast
Para aprimorar a dramaticidade do texto de seus livros, Lucinda costuma pedir a amigos que leiam seus originais em voz alta “para que ela possa ter a noção da força oral daqueles arranjos de palavras e fazer assim os ajustes rítmicos do tecido em prosa coloquial e poética ao mesmo tempo”. Um desses amigos é o ator e escritor Lázaro Ramos, que depõe na quarta capa do livro suas impressões da história.  

“Me transportei imediatamente para o universo de Edite que sim, em muitos momentos parecia ser algo particular, do exercício da liberdade dessa mulher preta cheia de desejos, uma querente por excelência e em outros momentos ela era muitas. Percebi pensamentos íntimos de avós, primas, tias, mãe ou até de desconhecidas. Edite é isso.... Uma ótima companhia para o nosso existir”, resume o ator, escritor e diretor.
E essa parceria renderá frutos. A conexão criada com a personagem foi tanta que Lázaro está produzindo um podcast dos pensamentos de Edite, que serão gravados na voz da autora, com lançamento previsto para o primeiro semestre de 2023.

Essa dobradinha de Lázaro com Elisa poderá ser vista, ainda, em “Papai é Pop”, filme de Caíto Ortiz que estreia no Festival do Rio e onde Elisa interpreta a mãe de Lázaro que, na trama, é casado com a personagem de Paola Oliveira. No mesmo festival, Lucinda também integra o elenco de outro lançamento, “O Pai da Rita”, de Joel Zito, onde faz par romântico com Ailton Graça.

Outros trabalhos
Recém-chegada de Portugal, onde representou o Brasil na Bienal Internacional de Poesias de Oeiras, a poetisa segue gravando a segunda temporada de “Manhãs de Setembro”, do Amazon Prime, onde interpreta Vanusa, a mãe de Cassandra (Liniker) uma mulher trans que trabalha como motogirl. Na mesma plataforma, Elisa integra a série “Desjuntados”, dando vida à mãe do personagem Marcinho, interpretado pelo ator e comediante Yuri Marçal, enquanto aguarda o lançamento, pela Fox Disney, da série “Não foi minha culpa”, sobre violência feminina, dirigida por Susana Lira.

A atriz ganhou o Prêmio Especial do Júri no Festival de Gramado (2020) e, neste dezembro, tomou posse na Academia Brasileira de Cultura, ocupando a cadeira de Olavo Bilac e figurando entre nomes como Zeca Pagodinho, Elza Soares, Christiane Torloni, Ana Botafogo, Carlinhos de Jesus, entre outros. Ainda este mês filma sua participação como uma diretora de escola no filme “Meninas não choram”, produzido pela Morena Filmes. Neste começo de abertura pós pandemia, Lucinda segue numa frenética agenda em que viaja várias capitais do país com suas palestras nos projetos Diálogos Contemporâneos e Histórias Brilhantes.

A profunda relação de Elisa com Adélia Prado aparece em alguns pontos nesta fase profissional. Além de ter escolhido o dia do aniversário da renomada poetisa para o lançamento de “Quem me leva para passear”, Elisa foi convidada pela Editora Record para apresentar a edição especial e limitada de quatro livros de Adélia (A faca no peito / Coração Disparado / Bagagem / Oráculos de maio), onde versa sobre a obra da autora mineira num livreto de 45 páginas.

Pela sua produtora junto à atriz e diretora Geovana Pires, a Casa Poema, em parceria com MPT e OIT, Lucinda realiza dois projetos: “Sankofa”, que apresenta poesia falada nos quilombos, e “Catadoras de Poesia”, projeto em parceria com a Flup – Festa Literária das Periferias onde ministra aulas de poesia falada para mulheres de uma cooperativa de catadoras de papel.

Serviço:
Lançamento do livro "Quem me leva para passear", de Elisa Lucinda
Quando? Segunda-feira (13), vendas para todo o país no site da Editora Malê.