Entre a leveza do sonho e o peso da realidade

Documentário “Jonas e o Circo Sem Lona” traz questionamentos profundos a partir da rotina de um garoto de 13 anos

Jonas nutre um fascínio pela arte circense e, a partir daí, dribla as dificuldades - Haroldo Borges/Divulgação

É bonita a maneira como o documentário baiano “Jonas e o Circo Sem Lona” consegue criar empatia e comunicar sentimentos que se expandem para além do que é apresentado na imagem. O filme, estreia na direção de Paula Gomes, conta a história de um garoto de 13 anos (o Jonas do título) e seu fascínio por tudo que envolve a arte circense, incluindo também a realidade em volta (escola, amigos). Aos poucos, o filme parece avançar para uma discussão sobre como sonhos da juventude costumam ser afetados pelo peso da realidade.

A rotina desse garoto é apresentada enquanto temas mais complexos e delicados são gradualmente sugeridos. Jonas ensaia com amigos, como em uma divertida cena em que imita Michael Jackson, além dos exercícios como trapezista, malabares e palhaço, e aos poucos a atenção de Paula parece se deslocar para o futuro desse personagem: a insistência da mãe, que trabalhou em um circo na juventude, para que Jonas se dedique aos estudos, e a ideia cada vez mais perceptível de que a idealização da adolescência pode não se concretizar.

No começo, acompanhamos a montagem do espetáculo de estreia de Jonas e seus amigos, que aproveitam as férias fazer uma encenação no quintal de Dona Neide. Os ingressos custam R$ 1 (criança) e R$ 1,50 (adulto). Com o começo das aulas, os amigos de Jonas deixam de ir aos ensaios, por demandas da escola e trabalhos familiares.

A solidão de Jonas é registrada pela câmera de Paula com delicadeza; sua dor por ver sonhos cada vez mais distantes é retratada com carinho pela diretora, através de closes e imagens contemplativas.

A certa altura Paula usa como recurso narrativo uma reportagem na TV, que avisa sobre a redução da maioridade penal enquanto Jonas trabalha na montagem de seu circo. Uma jornalista narra que com “a aprovação da PEC, jovens acima de 16 anos que cometam crimes podem ser condenados a cumprir pena em prisão comum”, e na imagem vemos o empenho de Jonas para construir cenários e acessórios circenses. O posicionamento de Paula é claro e essa edição torna seu argumento ainda mais potente.

O filme se aproxima de uma linha de documentário sem limites claros entre o diretor e os personagens em volta. Há cenas em que os personagens mencionam a presença da equipe de filmagens; em outras, Paula conversa com Jonas, participa de sua formação escolar (sem nunca aparecer em cena), interfere na dinâmica familiar (convence a mãe a visitar o circo do tio de Jonas, destino que o garoto almeja) e fala com o menino sobre decepções da idade. É um filme que não esconde o carinho que sente pelo personagem e sua ambição artística, sem evitar falar sobre os imprevistos duros da realidade.