Opinião

A noite dos "heróis da resistência"

O alcance do sucesso não fica apenas consagrado pelo volume das metas atingidas. Muitas vezes, o viés qualitativo decorre da coragem de continuar a execução do que foi proposto, ainda mais quando a adversidade se instala. Isto é a própria superação dos problemas, na medida em que os sonhos não são abandonados pelo caminho. Resistência e luta são variáveis que atuam de modo diretamente proporcional, sobretudo, para quem consegue contar alguma história de sucesso como sonho realizado.

Viver de cultura não é ofício desprovido de resistência e luta. Por maior que possa ser para muitos o sentido restrito do que representa o heroísmo, prefiro admitir que há muitos heróis que cabem numa outra percepção do termo. É difícil organizar e produzir em qualquer setor, quando seu conceito econômico é ignorado. O agente econômico da cultura mobiliza fatores tanto quanto outros pares empreendedores. Mas, inadvertidamente, há quem pense que produzir uma "estética própria e especial de entretenimento", que tem a importância de formar a identidade nacional, tem o mesmo sentido de quem consome e se entretém. Como o buraco é maior do que se imagina, o tema tem toda uma formalidade que precisa ser mais levada a sério.

O pior disso tudo é poder se deparar com políticos e governantes que não conseguem fazer essa leitura. É que a ignorância conceitual de certos agentes sociais, ainda consegue transmitir para seus fiéis seguidores uma visão estreita e mesquinha do que seja a cultura. Imagine aqui eu defendê-la com a devida ênfase seu papel axial para um novo padrão de desenvolvimento efetivamente sustentável. Continuarão sem compreender.

Diante do exposto, penso que não seja exagerado ao admitir que pouco mais de 2/3 da população carecem entender o que tem sido reservado à cultura, na forma de politicas públicas que emanam do governo federal. Por razões mesquinhas de se contrapor pela ideologia contrária, o vetor resultante tem sido uma crise que se expressa na vontade de destruir. Negam-se o direito constitucional do acesso à produção, a viabilização de modos de custeio previamente estabelecidos e regramentos que fortaleçam as distintas atividades. Enfim, as ações públicas já permitiram o triste reconhecimento de que o setor cultural atravessa seu pior momento. O estrago é tão grande que o desafio futuro está não só numa reconstrução que exigirá um tempo precioso. Está também em reestabelecer uma comunicação que retome a confiança da sociedade,impactada pelas falsas informações sobre o necessário e cabível  financiamento público e a ordem de grandeza de uma cadeia produtiva significativa, que gera empregos e rendas.

Nessa onda de desânimo, nada melhor que episódios que revigorem os sonhos e mostrem a capacidade de resistência e luta. Particularmente, o que assisti pela TV, na última quarta-feira, por ocasião da solenidade do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, representa bem tudo o que posso resumir, em associação com os segmentos que compõem o audiovisual no Brasil. Ali estava a prova de que os "heróis da resistência" estavam mais vivos do que nunca.

O ato em si foi uma reprodução natural, que através de sua própria Academia, referenda os melhores profissionais, nas distintas artes do setor. No bojo dessa programação, uma bela e justa homenagem às tantas mulheres que, nos seus ofícios diretos de produzir (captando investidores, mobilizando fatores e lançando os resultados nos mercados), dinamizam a cadeia produtiva que sustenta o audiovisual e dá reforço à cultura. No entanto, tão importante quanto essas referências, foi verificar a essência daquilo que move cada agente dos segmentos destacados, independente até das atividades culturais, que bem caracterizam nossa pluralidade. Refiro-me ao fato de que o marco da sobrevivência, entre a pandemia e o desalinhamento das políticas públicas, foi demonstrado.

Um fato que prova o quanto o sonho por persistir, na forma de produzir cultura, pode se manter vivo e forte.

 

*Economista e colunista da Folha de Pernambuco


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