Artes Visuais

Rasgos e ruínas íntimas: exposição de Barbara Melo em cartaz no Murillo La Greca até sexta (17)

"Abrir espaços: riscos, ranhuras, fissuras, rasgos" integra a 14° edição do Salão UNICO de Arte Contemporânea, promovido pelo Sesc-PE

A artista visual Barbara Melo investiga as camadas, ruínas, vestigios e possibilidades do rasgar - Acervo Pessoal

“É uma ferida, um golpe, algo que atravessa”. As várias nuances do ato de rasgar são o foco da pesquisa que se desdobrou na exposição “Abrir espaços: riscos, ranhuras, fissuras, rasgos”, da artista visual Barbara Melo, que integra a 14° edição do Salão UNICO de Arte Contemporânea, promovido pelo Sesc-PE. A mostra, que também conta com obras e instalações de Bisoro, Graciela Ferreira e Joyce Damazio, fica em cartaz até a próxima sexta-feira (17) no Museu Murillo La Greca, no bairro do Parnamirim, Zona Norte do Recife, das 9h às 12h e das 14h às 17h, com acesso gratuito.

O processo de pesquisa da artista teve início durante a pandemia, quando Barbara se mudou para um sítio em Paudalho, onde mantém seu atelier. “Eu tinha já uma pesquisa sobre ruínas. Sempre gostei de observar casas abandonadas. Não as casas, mas as ruínas me interessavam mais fotografar. Aí eu comecei a pegar novamente essas fotografias e revisitar o tema da desconstrução”, lembra. Em suas caminhadas, Barbara costuma colecionar coisas desprezadas por terceiros, exercitando o gesto de coletar, se aproximar e pegar”.

“Fui olhar tudo isso de novo. Coisas bem antigas, de 2012. E ai encontrei junto a essas fotografias muitos cadernos que eu não só escrevia, mas também rasgava. Eu já estava fazendo alguma coisa com esse gesto de rasgar para desenhar, para criar uma história que não é com imagem. Comecei a rasgar compulsiva e obsessivamente - porque o processo no atelier é bem assim: a ficar fazendo, fazendo e fazendo”, relata. 

“Comecei a ver que tinha um prazer, um alívio à medida que eu ia soltando, mas também criando outras necessidades de guardar. E aí você se apega de novo ao remontar o rasgo. O que eu faço com essas coisas que se vão? E aí começou a virar um novo processo de trabalho. Eu comecei a guardar os papéis em potes. E aí dava uma visibilidade a um pedaço de papel que foi rasgado e criava uma contradição”, conta.

Os rasgos do eu
Quando os primeiros diários encontrados em caixas começaram a ser rasgados, a pesquisa ficou mais pessoal. “Alguns deles eram antigos, outros recentes. Comecei a rasgar, para ‘desfixar’ a história e ver que eu estava de alguma  forma querendo romper mesmo. É um processo de morte de que alguma coisa precisa acabar”, confessa a artista.

“Essa coisa do diário foi interessante porque quando eu rasgava todos esses diários, uma das instalações que ficava aqui era isso, essa parte que restou dos diários. Eram várias capas de cadernos abertas que eu comecei  compor e criou como se fosse uma ruína. A ruína da minha própria história”, define. 

“Ou seja, as fotografias dessas casas que eu vejo - me interessa a arquitetura e também o lugar vazio ocupado agora pelos fragmentos, vestígios e coisas que ficaram, isso sempre me interessou. Mas agora eu mesma estava criando isso, a casa agora era eu mesma”, explica Barbara.

Exposição “Abrir espaços: riscos, ranhuras, fissuras, rasgos”, da artista visual Barbara Melo | Foto: acervo pessoal

Oficinas de rasgar
Depois de aprofundar sua pesquisa no atelier, Barbara idealizou lives no Instagram e promoveu diversas oficinas, ainda durante a pandemia. Reuniu diversas turmas, a maioria de arte educadores e arteterapeuras. “A pesquisa proporcionou algo muito interessante. Para os professores, o retorno deles tinha a ver com o que as crianças faziam, com a liberdade e forma de conduzir genuínas da idade. Os professores passaram a se perguntar porque os adultos bloqueiam isso, um ato que parece que é errado, o ato de rasgar”, detalha Barbara.

“Uma professora me relatou a queixa que recebeu em sua escola sobre a oficina que fez na escola inspirada no projeto. A coordenadora disse para a professora: ‘vai rasgar? então, use jornal, porque cartolina é cara’.  E a outra coisa que ela disse foi: ‘Vai rasgar? então veja o dia que vai fazer isso, porque se o prefeito vier aqui não pode ver nada bagunçado’, então, a bagunça e a sujeira gerou incômodo”.

Rasgar para descobrir
Segundo a artista, durante as oficinas a investigação reposicionou o conceito que as pessoas tinham dos limites da perfeição. “A mão é a tecnologia. E está ao alcance. Não existe rasgo errado ou perfeito”, comenta Bárbara. Barbara levou, então, essas reflexões para dentro do museu. Em sua proposta de instalação, o público é protagonista, podendo rasgar, reconfigurar os objetos e até interferir na obra. “A ideia é procurar o rasgo em todos os lugares. O papel eu tenho relação por conta do Design. Mas outras pessoas testaram com outros materiais como tecido, plástico e isopor”, conta.
 
Durante a temporada da exposição no Murillo La Greca, ela deu conta de objetos furtados pelo público e até esse incidente gerou outros significados. “Quando aconteceu esse fato inesperado a pe me dei conta que esses objetos não estavam mais aqui, no primeiro momento fiquei em choque pelo furto, ao mesmo tempo, achei isso incrível. Eu preciso agradecer demais esses seres ou ser que levou. O trabalho está autorizado a fazer isso. Acho que aprendi com isso o meu lugar como essa artista que quer promover uma interação”, destaca.

“A partir disso, comecei a fazer esses convites para que as pessoas pudessem deixar coisas. Veio um grupo da Traços Terapia e foi incrível. As pessoas abordaram a questão dos traumas com o rasgos. Então, a medida que falavam, iam rasgando que é um gesto que traz isso”, lembra. Uma dessas pessoas deixou na exposição uma frase escrita em um papel: “Sentir o que você fez dói”, que passou a compor a instalação.

“É sobre fazer com que a obra esteja viva. Eu venho várias vezes, mudo, tiro. É uma obra que acontece no lugar. Porque o trabalho é uma cartografia da minha pesquisa. Quando a exposição for para outro lugar, vai ser totalmente diferente. Não apenas as paredes, mas também o chão”, projeta.

SERVIÇO
Exposição “Abrir espaços: riscos, ranhuras, fissuras, rasgos”
Museu Murillo La Greca - R. Leonardo Bezerra Cavalcante, 366, Parnamirim
Até 28 de fevereiro, das 9h às 12h e 14h às 17h
Entrada gratuita
Instagram: @murillolagreca / @barbariza_atelier
 

Intervenção feita por um visitate da exposição