Opinião

Personalidades e conquistas da Zona da Mata. O Tenente da Catende sabia botar usinas pra moer!

Algumas pessoas, pela família ou pelo que fizeram, passaram e ainda passam a ser identificadas com o nome da mãe ou do pai, do local que nasceram ou ainda, e melhor, pela obra física ou intelectual que realizaram, e esse reconhecimento perdura por décadas. E uma dessas associações mantida até os dias atuais em Pernambuco é a do Tenente da Catende, que teve seu apelido associado com o que produziu numa famosa usina de açúcar.

Nascido no Engenho Trapuá, município de Tracunhaém, em fevereiro de 1882, e registrado como Antônio Ferreira da Costa Azevedo, filho dos primos Domingos Ferreira de Souza e Azevedo e Josefa Araújo de Souza Ferreira, ligação familiar ainda hoje comum no setor canavieiro.

Foi estudante do ensino primário e ginasial em Tracunhaém e logo cedo deixou os estudos para administrar a propriedade do pai, e tempos depois assumiu o engenho Camarazal, pertencente ao filho do Barão de Tracunhaém. Depois disso arrendou um engenho Banguê na vizinhança e tornou-se produtor de rapaduras e outros derivados.

Em 1913, com pouco mais de 25 anos, tornou-se usineiro ao adquirir a pequena Usina Cumbe - PB, parcialmente destruída pela cheia do rio Paraíba, e com a visão empreendedora tornou-a eficiente. Por cinco anos produziu o mesmo tipo de açúcar que suas coirmãs, e passou a ser observado pela classe como bom gestor e negociante habilidoso.

A recuperação da usina tornou o jovem usineiro um gestor competente, e passou a ser bem avaliado pelos executivos do setor e de outras empresas da região, a ponto da Trade Mendes Lima e Cia, na época a maior negociadora de açúcar nos mercados nacional e internacional, convidá-lo para compor seu quadro de executivos, e ao aceitar o cargo teve que se desfazer da usina reformada.

O convite feito pela empresa de comércio, certamente era para utilizá-lo como gestor da Usina Catende, já que ela estava sob seu domínio desde 1907. Em 1912 tinha sido reformada e estava na hora de transferir o controle acionário a quem fosse capaz de gerir o grande investimento.

Esses fatos aconteceram em 1918, quando a Trade ofereceu a grande usina reformada à firma Costa Oliveira e Cia., na condição de que o sócio Antônio Francisco da Costa Azevedo, já conhecido pelo apelido de Tenente, fosse o gestor do empreendimento. E na assunção da unidade industrial, o executivo implantou o seu modelo administrativo particular. 

Além da gestão eficiente, o Tenente foi adquirindo cotas dos acionistas e, em 1927, já era dono da maior usina do setor açucareiro da época, que já era sociedade anônima com a composição acionária composta por familiares.

A melhoria do desempenho industrial foi sua primeira meta, e como precisava de energia para acionar máquinas e motores da indústria, instalou a hidrelétrica do rio Pirangi para, além de atender as demandas industriais, beneficiar os funcionários com energia elétrica e depois expandir linhas para os moradores de Catende com o excedente da geração. A mencionada hidrelétrica funciona até os dias atuais.

Para fabricar mais açúcar era preciso plantar canas, e o campo também recebeu altos investimentos. Foram adquiridas e arrendadas propriedades, e novos plantios foram implementados. Pelo que se divulga, obteve-se melhorias nas produtividades, adubando as canas-plantas e soqueiras com os resíduos da fabricação, torta de filtro e cinza de caldeira.

As secas estacionais, os conhecidos veranicos, comuns nas moagens e que provocam mortandade de soqueiras, despertou no Tenente a intenção de reduzir o malefício com o uso da irrigação, e para contornar o problema, contratou o agrônomo Apolônio Sales, responsável pela agricultura estadual, para projetar recalques das águas dos riachos e rios para as encostas e aplicá-las nas lavouras de canas.

Com a produção de açúcar e canas regularizadas, a opção foi produzir álcool, usando melaço como matéria-prima, que até então só era usado na alimentação animal, e para isso instalou, em 1936, a primeira destilaria anexa do Brasil.

Ao que se sabe, a citada destilaria também estava apta a produzir a forma anidra do etanol, e talvez o que tenha motivado o Tenente a optar por essa alternativa era que o IAA adotava na época substituir o chumbo tetraetila como detonador na mistura carburante pelo álcool desidratado só na gasolina importada, e no futuro certamente essa recomendação também seria adotada para a gasolina nacional.

Além dos produtos oriundos da cana, o Tenente se dispôs a produzir fertilizantes depois que foi informado pelo pesquisador Paulo Duarte que análises químicas de minerados da localidade Forno de Cal, em Olinda, revelava teores razoáveis de P2O5, que a reserva de fosfato de cálcio era grande, e que era viável obter matéria-prima para a indústria de adubos do Nordeste e do Brasil com até 36 % de teor do nutriente. E para atender a demanda nacional, foi fundada a Fosforita de Olinda, com esse objetivo.

A empresa implantada em Forno da Cal prospectou, minerou, processou o minerado e obteve o produto final. Mesmo apresentando viabilidade econômica, o empreendimento não prosperou, porquanto os governos estadual e federal da época preferiram bancar o transporte da matéria-prima fosfatada da Flórida - EEUU para atender a indústria de fertilizantes e, com isso, inviabilizaram totalmente a iniciativa, vez que o que o fosfato que aportava no país era mais barato que o produzido em PE.

Com a morte do Tenente em 1950, a família assumiu a administração da empresa, e quase 20 anos após esse evento, a Usina Catende foi a primeira empresa sucroalcooleira que se tem notícia a produzir mais de 1 milhão de sacos de açúcar de 60 kg. Esse era o peso normal da época, em uma moagem anual.

Os anos passados para Usina Catende foram de dificuldades. Ela não conviveu satisfatoriamente com a modernidade nem com as regras do mercado, e o passo seguinte foi a venda do patrimônio a outros empresários do setor, que, por sua vez, também tiveram dificuldades em manter ativa uma usina com sua história e dimensão, culminando com sua transformação em unidade associativa, gerida por uma cooperativa dos sindicatos rurais. Essa mudança provocou a derrocada final, as dívidas trabalhistas e fiscais, administrações desastrosas acumularam passivos, e a famosa usina produtora de açúcar, de etanol e de energia limpa, depois de ter parte dos equipamentos industriais leiloados, transformou-se em um amontoado de escombros.

O que não se pode nunca deixar de enaltecer é que a personalidade e o brilhantismo do Tenente da Catende em implantar e gerir uma obra com inovações tecnológicas múltiplas sempre foi e será decantada no setor canavieiro estadual e nacional, e ainda hoje é considerado um dos ícones das classes dos produtores de açúcar, de álcool e de energia. Foi sempre considerado um inovador, e pelo que fez, era um empresário que acreditava que a tecnologia era a senha para atingir metas e propósitos. Ao se despedir da vida, talvez tenha se dado conta de não ter tido a felicidade de deixar um sucessor com o seu tamanho para complementar sua obra, mas certamente o Seu Tenente sabia que tinha feito muito pelo setor sucroalcooleiro de Pernambuco. E hoje, passados mais de 70 anos, seu nome ainda ecoa em toda classe como uma marca que se mantém firme e um passado inesquecível. E todos desejam que o seu descanso junto ao Pai seja eterno.

(Informações coletadas na Internet e por descendentes de funcionários e parceiros na produção de canas)



*Engenheiro agrônomo


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