Menino abandonado pela família fez aniversário 10 dias depois de saber que seria levado para adoção
Sem conseguir lidar com o sentimento de rejeição, Lucas (nome fictício) passou a oscilar entre rebeldia e culpa, criando confusão no abrigo
O aniversário de 10 anos de Lucas (nome fictício) foi comemorado dentro do abrigo Vivendas da Fé, em Campo Grande, na companhia de outras 20 crianças, todas em acolhimento.
A festa, organizada com doações, aconteceu em abril, dez dias depois de o menino descobrir que a família biológica não havia sido localizada e, por isso, ele seria levado para adoção. A Justiça e o Conselho Tutelar fizeram buscas pelos parentes de Lucas por cerca de oito meses. Em vão.
Verônica Abreu, diretora do Vivendas da Fé, lembra com detalhes do dia em que precisou contar ao menino, na companhia de outros funcionários, que ele não poderia mais voltar para a família. Esta conversa aconteceu após relatórios mostrarem que nenhum parente havia procurado por ele; além disso, sua mãe e outros responsáveis não foram encontrados.
Era dia de um bazar beneficente no abrigo. O garoto foi chamado e, com muito jeito, a notícia foi dada. Ele ficou em silêncio, cabeça baixa, olhar triste. Algumas voluntárias haviam preparado empadões para dar de presente às crianças.
Os tabuleiros foram deixados na geladeira para serem cortados pelas "tias", responsáveis por preparar a comida e arrumar os pratos. A cozinha é um dos poucos lugares do abrigo onde os menores não podem entrar, e foi quebrando essa regra que Lucas extravasou a dor de não ter mais uma família.
— Ele deu um jeito de entrar na cozinha, abriu a geladeira e pegou um pedaço do empadão com a mão. Assim mesmo, enfiou a mão dentro de um dos tabuleiros e pegou a comida. A gente ficou muito mal com a situação. Na hora de falar com ele, disse que estava muito chateada, que ele não poderia ter feito aquilo, principalmente porque o empadão não era só dele, outras crianças iriam comê-lo. Lucas me olhou triste, um olhar pesado. Eu falei: "você acha que a sua dor é maior do que a das outras crianças? Todo mundo está sofrendo aqui!" Nessa hora, ele começou a chorar em silêncio. Eu não tinha como condená-lo.... nos abraçamos e ele me pediu desculpas — detalha Verônica.
Os dois meses seguintes à notícia foram desafiadores. Lucas passou a oscilar entre rebeldia e culpa, provocando confusões no abrigo. Ele agredia e estragava os bens de outras crianças; depois, chorava e pedia desculpas. Para Verônica, o menino se fechou ao amor.
— Ele quebrou o cabo de uma vassoura, pulou muro, bateu em outras crianças. Na companhia de um colega, fez as necessidades nas roupas e as espalhou em outras, até na parede. Tivemos que jogar tudo fora, não tinha jeito de lavar e desinfetar. Conversamos com ele, foi difícil. Ele chorou muito. Era como se não acreditasse mais que podeira ser amado, fazia as coisas para ser rejeitado, para nos rejeitar também — reflete a diretora.