José Augusto comenta sucesso de 'Evidências' e fala sobre não ser citado como autor; confira
Letra eternizada na voz de Chitãozinho & Xororó foi entoada pelo ministro Luís Roberto Barroso em festa por posse no STF e apresentada por Bruno Mars em show
As evidências são nítidas — e estão na boca do povo. Para que viver fingindo? O cantor e compositor José Augusto, com 70 anos recém completados, prefere encarar a realidade sem negar as aparências. Ele sabe que os famosos versos eternizados na voz de Chitãozinho & Xororó ganharam, há décadas, asas largas e robustas e, nessa loucura, já não lhe pertencem por inteiro.
Apelidado como o Rei do Romantismo, o artista — compositor de "Evidências", um dos maiores hits atemporais no cancioneiro brasileiro, com o colega Paulo Sérgio Valle — abre um largo sorriso sempre que vê a letra alçar novos voos. Foi assim no último mês, quando o astro pop Bruno Mars levou a obra sertaneja ao festival The Town, em São Paulo. E assim está sendo novamente nesta sexta-feira (29), após a repercussão de um vídeo que mostra o ministro Luís Roberto Barroso soltando a voz ao entoar a canção num karaokê durante a festa de sua posse como presidente do Supremo Tribunal Federal (STF).
Em entrevista ao GLOBO, o carioca com 50 anos de carreira — que segue em turnê pelo país, revisitando pérolas conhecidíssimas, como "Aguenta coração", "Querer é poder", "Estória de nós dois" e "Por eu ter me machucado", todas temas de novelas da TV Globo — ressalta que não liga em ser um nome "invisível", como muitos fãs vêm apontando nas redes sociais.
Foi muito comentado o fato de Bruno Mars ter levado a canção "Evidências" para o show que realizou em São Paulo, em agosto, no festival The Town. Foi uma surpresa para você?
Confesso que não fui avisado. Tanto não fui, que só soube de tudo no dia seguinte. Acordei com meu "zap" repleto de mensagens, e aí sim eu pude ver (o que tinha acontecido).
O que achou?
Achei uma maravilha o instrumentista do Bruno Mars ter feito essa homenagem, né? Acho que a homenagem não foi nem a mim, nem ao Paulo Sérgio Valle. Também não foi ao Chitãozinho, nem ao Xororó. Ele homenageou a canção "Evidências", que é uma música muito importante no Brasil. E eu fiquei felicíssimo, porque o tecladista tocou respeitando as harmonias. Foi uma coisa muito bonita.
Na segunda apresentação de Bruno Mars no festival The Town, Xororó esteve na plateia e foi muito celebrado pelo público. Na internet, parte das pessoas se mobilizou para destacar seu nome e o nome de Paulo Sérgio Valle, alegando que a autoria da música teria sido "invisibilizada" nos últimos anos. É assim que você se sente?
Achei bonita a aparição do Xororó no telão do evento e o fato de ele ter sido aclamado pelas pessoas. Nada mais normal! Foi uma homenagem merecida. Quanto ao que as pessoas comentam sobre a não citação ao meu nome, isso é uma coisa que não ligo. Tanto o Xororó quanto o Chitãozinho e também o Roberto Carlos, a Ana Gabriel, no México, e tantos outros que gravaram a música em espanhol e aqui no Brasil são embaixadores que fizeram com que a minha música se transformasse em sucesso. É assim que eu e Paulo Sérgio Valle pensamos.
Mas ser o criador de algumas das músicas mais populares no país, estar por trás delas, e nem sempre ser devidamente creditado não é algo que o incomoda?
O compositor já está preparado para isso. Ele é o cara que trabalha em silêncio e sabe que isso pode acontecer. Quem está fazendo um show não tem a obrigação de a todo momento dizer: "A música é do Fulano ou do Ciclano". Ninguém tem a obrigação de parar o show para falar isso. Eu mesmo não faço isso, a não ser durante uma entrevista. É claro que seria melhor se todas as pessoas soubessem de quem é a canção. Há cerca de 30 anos, os radialistas diziam de quem era a música que estava tocando. Depois, isso foi acabando, como se aqueles dez segundos usados pelo radialista para falar o nome do compositor fossem muito preciosos. E tempo é dinheiro, né? Mas isso (de não ser reconhecido) é uma coisa que o compositor é obrigado a estar preparado.
À época do show de Bruno Mars, especialistas levantaram o valor que você e Paulo Sérgio receberiam pelos direitos autorais de "Evidências", por 1 minuto e meio de execução da melodia num festival (algo em torno de R$ 2.200) . A canção representa, de fato, uma fonte de renda importante para você?
Esse é um ponto importante, mas não sei se essa cifra é verdadeira. As pessoas esquecem que existe uma associação arrecadadora de direitos autorais que leva a sua parte, existe uma editora que também leva a sua parte e existe outro autor que a gente tem que dividir... O mais importante disso não é essa quantia. Graças a Deus, eu e Paulo Sérgio Valle não necessariamente vivemos dessas cifras. Mas tem muito artista que tem sua obra, que fez muitas músicas, e hoje em dia elas não tocam tanto... E esse compositor não recebe tanto! Acho que isso deveria ser revisto e melhorado. O pagamento de direitos autorais tem que ser para todos os artistas, não só para aquele que está no topo e tem a sua música cantada, mas também para aquele que possui obras reconhecidas, já fizeram sucesso e de vez em quando são lembrados.
Você é conhecido como um dos maiores nomes da canção romântica no país. Como avalia a produção desse cancioneiro hoje?
Aprendi a fazer música romântica há muitos anos, com a minha mãe. Ela tocava piano. Aos 10, 12 anos, eu sentava ao lado dela e ela tocava músicas românticas. Naquela época, eram músicas argentinas, em homenagem a meu avô. E desde essa época eu tenho adoração pela música romântica e adoração por falar de amor. Na verdade, acho que eu sou um apaixonado pelo amor.
O romantismo está fora de moda?
Se você analisar a carreira de qualquer um artista, seja ele de pagode, axé ou sertanejo, cada um deles, sempre num determinado momento, canta uma canção romântica no show ou coloca uma canção romântica em suas gravações. Acho que a música romântica não acaba nunca. Ela muda a maneira de ser falada. Ela muda algumas coisas. Mas ela não vai acabar nunca.
Uma análise rápida das músicas mais tocadas no país atualmente — sobretudo funks e traps — mostra que há certo predomínio de letras com teor explícito e apelo sexual. Como avalia esse cenário?
Ouço de tudo. Sou ouvinte de rádio e, como profissional da música, sou obrigado a conhecer o que está sendo produzido. Acho que o funk tem um ritmo maravilhoso e que tem tudo pra chegar muito mais longe. Mas nem todos os cantores desse gênero estão preocupados em levar teor explícito e apelo sexual nas suas canções. Existem outros compositores que não fazem isso. Mas eu acho que o sol nasceu pra todos. Então, se houver público para isso (para letras com teor sexual explícito), que seja assim.
Você acaba de completar 70 anos de vida e cinco décadas de carreira. Esses números o assustam?
Não tenho problema com a passagem do tempo, porque nunca fui um cara vaidoso. Mesmo no auge da minha da minha carreira, nunca fui vaidoso. Preocupação com velhice? Sim, isso existe. Tenho que tomar certos cuidados com a saúde. Quanto mais velho, mais cuidados. Fiz 70 anos, estou bem, graças a Deus. Estou inteiro, fazendo meus shows, feliz com a vida.