Iphan e PF investigam tentativa de venda por R$ 174 mil de objetos sacros
Itens estavam sendo oferecidos em leilão e não são vistos há décadas pelas congregações religiosas. Peças agora passarão por perícia
A Polícia Federal (PF) e a Superintendência do Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (Iphan) investigam a procedência de objetos de arte sacra que seriam vendidos em um leilão no fim de setembro. O lance mínimo para os objetos somava R$ 174 mil. Existe uma forte suspeita de que as peças foram furtadas de pelo menos duas igrejas do Rio de Janeiro e de uma catedral de Belém (PA) há décadas, ou vendidas de forma irregular. Entre os objetos, estão três peças de prata com características idênticas as que aparecem em um catálogo online do Iphan de obras desaparecidas da Igreja Nossa Senhora do Monte do Carmo (1º de março), antiga Sé do Rio.
Outras cinco foram identificadas pelo provedor da Igreja Nossa Senhora da Lapa dos Mercadores, Claudio Castro, como objetos que sumiram do acervo há 40 anos. O caso foi revelado pelo colunista Ancelmo Gois, de O Globo. A Igreja, construída no século XVIII, chegou a ficar fechada por quatro anos e foi reaberta integralmente restaurada em junho deste ano.
"No caso da Nossa Senhora da Lapa, identifiquei três sacras (espécie de suporte de leitura com orações impressas) e um par de tocheiros de prata que integravam uma banqueta que ficavam no altar. Ainda tem outras peças desaparecidas, que passam de cem, que estamos catalogando agora com base em um inventário feito em 1945. Os objetos da Nossa Senhora do Carmo também eram sacras" diz Castro, que assumiu a provedoria da Nossa senhora dos Mercadores em março.
Entre as demais peças está um par de tocheiros com selos como pertencente da Catedral de Belém, com um lance mínimo de R$ 45 mil.
"Ao encontrar as peças à venda alertei ao Iphan" conta Castro.
Por orientação do Iphan, as peças foram retiradas do catálogo e acauteladas até ser entregues à PF. A peça oferecida por maior valor (R$ 60 mil) é um par de colunas cuja origem o Iphan ainda vai rastrear. O que já se sabe é que o leiloeiro identificou erroneamente o objeto, como sendo do século XVIII e de estilo barroco.
"Se estas colunas forem originais, não são do estilo Barroco, mas sim do Maneirismo Luso-Brasileiro, tendo sido fabricadas anteriormente a 1650. Tamanha antiguidade redunda na raridade destes conjuntos — e quase todos existentes estão acautelados em igrejas tombadas com aproximadamente quatrocentos anos de existência ou mais. Por conseguinte, será necessário empreender uma investigação criteriosa a respeito de sua procedência, a fim de identificar possível furto, roubo ou extravio de patrimônio tombado", avaliou o Iphan em ofício à PF.
Em contato com amigos de Belém, Claudio reconstituiu a possível origem das peças do Norte do país. Elas pertenceriam a um acervo maior da Catedral, furtadas por um homem que se passou por restaurador.
Os objetos seriam negociados pela empresa Dagmar Saboya, Escritórios de Arte em vários lotes. Uma das sacras que seria da Nossa Senhora do Carmo era oferecida por lance mínimo de R$ 18 mil. O catálogo definia o objeto como: "belíssima e rara Sacra revestida em prata brasileira do século XVII, riquissimamente repuxada e cinzelada com composições características do período D. João V, apresentando volutas, angras, goivos e cachos de uvas pendentes nas laterais. Na parte superior o emblema da Ordem do Carmo sob coroa com cruz ao topo. Séc. XVIII''.
O leiloeiro Luiz Sérgio Pereira explica que as peças foram oferecidas em leilão do acervo de clientes particulares. Ele afirmou que a casa em momento algum suspeitou que possam ter sido desviadas de igreja:
"Esse acervo tem procedência. Veio de colecionadores e de espólios dos proprietários. Não posso identificar quem ofereceu em leilão porque desconhecemos se nossos clientes sabiam que possam ter sido furtadas. Retiramos as peças do leilão assim que notificados. Mas nos colocamos à disposição do Iphan e da PF para qualquer esclarecimento."
O superintendente do Iphan no Rio, Paulo Vidal, explica que o cadastro digital de objetos desaparecidos de igrejas tombadas é incompleto por problemas no cadastro das próprias ordens religiosas, que nem sempre são atualizados.
"A suspeita que esses objetos saíram de igrejas é forte. Mas dependem de perícia antes de serem devolvidos, pois também são patrimônios protegidos pelo tombamento. A PF vai rastrear a procedência das peças e o Iphan vai periciar. A questão é que com a passagem dos anos fica difícil confirmar se foram subtraídos de forma criminosa. Não descarto que muitas peças possam até ter sido vendidas por religiosos para financiar obras. Isso era muito comum no passado" afirma Vidal.