SAÚDE

Alzheimer: bactéria comum pode estar ligada ao risco da doença, aponta novo estudo; entenda

Trabalhos recentes têm reforçado relação entre microrganismos que vivem no intestino e no estômago e o diagnóstico

Imagem mostra cérebro saudável à esquerda e cérebro com Alzheimer à direita - Foto: Reprodução

Uma bactéria comum, encontrada no estômago de dois terços da população mundial, pode estar ligada a um risco aumentado para o desenvolvimento da doença de Alzheimer entre adultos acima de 50 anos. É o que sugere um novo estudo de pesquisadores da Universidade McGill, no Canadá, publicado na revista científica Alzheimer's & Dementia: The Journal of the Alzheimer's Association.

O trabalho analisou a relação entre os casos de manifestação clínica da infecção pela Helicobacter pylori (H. pylori) e a incidência do Alzheimer em um grupo. A bactéria é conhecida por provocar quadros de indigestão, gastrite, úlcera e até mesmo, em alguns casos, câncer no estômago.

A equipe de cientistas analisou dados de saúde de mais 4 milhões de indivíduos com idades a partir de 50 anos do Reino Unido registrados entre 1988 e 2019. Ela encontrou uma associação entre relatos de infecção sintomática com a H. pylori e um risco 11% maior de desenvolver a doença de Alzheimer.

Os autores citam que as causas do diagnóstico são multifacetadas e ainda não tão bem definidas. Porém, há achados recentes que têm explorado a relação entre infecções, como a pela bactéria em questão, e a doença.

“Esperamos que os resultados desta investigação forneçam novas informações sobre o papel potencial do H. pylori na demência, a fim de auxiliar no desenvolvimento de estratégias de prevenção, tais como programas de erradicação individualizados, para reduzir infecções a nível populacional”, afirma Paul Brassard, autor sênior do estudo e professor de Medicina na Universidade McGill, em comunicado.

Estudos reforçam papel de bactérias
Em junho, um outro trabalho, conduzido por pesquisadores da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, e publicado no periódico Science Translational Medicine, também encontrou uma relação entre bactérias que vivem no corpo humano e o Alzheimer.

Os cientistas analisaram 164 indivíduos e identificaram que aqueles com a doença em estágio inicial – em que já se observava alterações no cérebro, mas ainda não havia sintomas clínicos – tinham diferenças na população de bactérias do intestino, embora eles se alimentassem da mesma forma que pessoas saudáveis.

"Ainda não sabemos se o intestino está influenciando o cérebro ou se o cérebro está influenciando o intestino, mas é valioso saber que esta associação existe seja qual for o caso. Pode ser que as alterações no microbioma intestinal sejam apenas uma leitura de alterações patológicas no cérebro. A outra alternativa é que o microbioma intestinal esteja contribuindo para a doença de Alzheimer, caso em que alterar o microbioma intestinal com probióticos ou transferências fecais poderia ajudar a mudar o curso da doença”, afirmou o autor do estudo e professor do laboratório de Medicina Genômica da universidade, Gautam Dantas.

Após o trabalho inicial, os cientistas lançaram um novo acompanhamento de cinco anos dos pacientes para tentar responder a pergunta e desvendar se as diferenças nas bactérias do intestino são uma causa ou consequência das mudanças cerebrais do Alzheimer.

“Se houver uma ligação causal, muito provavelmente a ligação seria inflamatória. As bactérias são fábricas químicas incríveis e alguns dos seus metabolitos afetam a inflamação no intestino ou até entram na corrente sanguínea, onde podem influenciar o sistema imunológico de todo o corpo. Tudo isso é especulativo neste momento, mas se verificarmos que existe uma ligação causal, podemos começar a pensar se a promoção de bactérias “boas” ou a eliminação de bactérias “más” poderia abrandar ou mesmo impedir o desenvolvimento da doença de Alzheimer sintomática”, continua Dantas, que é também professor de patologia e imunologia da instituição.

A resposta definitiva ainda pode demorar para ser encontrada, mas um experimento inicial com camundongos, realizado por pesquisadores do Reino Unido neste ano, indicou que as mudanças das bactérias podem de fato ser uma causa para a doença, e não uma consequência.

Publicado na revista científica Brain, o estudo envolveu um transplante da microbiota fecal de pacientes humanos com Alzheimer, que tinha um maior número de bactérias inflamatórias, para animais jovens e saudáveis.

Em seguida, foram conduzidas análises e testes de comportamento que revelaram que os camundongos passaram a apresentar alterações cerebrais e mudanças em funções de memória, cognição e humor associadas ao Alzheimer.

“Os testes de memória que investigamos baseiam-se no crescimento de novas células nervosas na região do hipocampo do cérebro. Vimos que animais com bactérias intestinais de pessoas com Alzheimer produziram menos células nervosas novas e tinham memória prejudicada”, diz a autora principal do trabalho Yvonne Nolan, professora da APC Microbiome Ireland, um centro de pesquisa mundial com sede na Universidade College Cork (UCC), na Irlanda.

No estudo, os autores defendem que as descobertas “revelam, pela primeira vez, que os sintomas de Alzheimer podem ser transferidos para um organismo jovem e saudável através da microbiota intestinal, confirmando um papel causal da microbiota intestinal na doença”.