Um ano após a crise, o que aconteceu com a Americanas?
Varejista reduziu número de lojas, demitiu funcionários e desistiu de priorizar vendas próprias em seu site
Um ano depois de revelar “inconsistências contábeis” de R$ 20 bilhões — classificadas pela própria empresa após investigação independente como fraude — a Americanas mudou. E ainda tem um caminho a percorrer para deixar a turbulência para trás. A operação encolheu, a oferta de produtos foi reduzida, parte das lojas foi fechada e a estratégia de vendas foi redimensionada.
Mas a companhia já mira os próximos passos. Após a homologação do plano de recuperação judicial, aprovado em dezembro pelos credores, a empresa deve passar por uma capitalização bilionária, com recursos dos acionistas e dos credores.
O número de lojas físicas da empresa foi reduzido de 1.880 em janeiro do ano passado para os atuais 1.754. Foram demitidos neste período 10.824 funcionários, o equivalente a 25% do quadro de pessoal. O e-commerce também passou por ajustes. Diante da necessidade de pagar à vista os fornecedores, o tíquete médio dos produtos ficou menor.
Notebooks e geladeiras ficaram em segundo plano, para dar lugar a itens do dia a dia. A comercialização de produtos de maior valor não era vantajosa financeiramente, avalia o atual presidente da varejista, Leonardo Coelho, em razão dos elevados gastos com logística.
Mix mais enxuto
Além disso, as vendas on-line agora dão prioridade a produtos de terceiros, os chamados sellers, vendedores autônomos ou empresas que usam o marketplace. A vantagem para a varejista é não ter que arcar com o capital de giro desses produtos.
"O volume de vendas on-line em que a Americanas compra da indústria, estoca nos seus centros de distribuição e vende, cuidando de todo o processo, caiu para menos de 10% do que era antes", conta Coelho.
Não foi só na operação no dia a dia que a empresa sentiu o baque. Na Bolsa, as ações, que eram cotadas a R$ 12 na véspera da revelação, eram negociadas ontem a R$ 0,85. O valor de mercado da empresa caiu de R$ 10,8 bilhões para R$ 785 milhões no período, segundo levantamento de Einar Rivero, diretor da Elos Ayta Consultoria.
A Americanas também deixou de ser a loja na qual sempre se encontra de tudo. As gôndolas, que já tiveram um mix de produtos que ia do bombom de chocolate ao celular, passando por brinquedos, lingerie, panela de pressão e material escolar, ficou mais enxuto, concentrando esforços nos itens de rápido retorno.
Para este primeiro semestre, a empresa já tem um alvo certo: os ovos de Páscoa são a grande aposta de vendas.
João Lucas Tonello, analista da Benndorf Research, avalia que a credibilidade da empresa com o consumidor, abalada no primeiro momento, já foi retomada. Enquanto comprar em uma loja física não apresenta riscos, porque o cliente paga e leva o item debaixo do braço, as vendas on-line continuam sendo entregues no prazo.
"Consumidores não foram afetados porque empresa se mostra ativa. Como a margem é baixa, os produtos continuam atrativos".
‘Desafio gigante’
A relação com os fornecedores, porém, foi transformada. No segmento, a Americanas sempre foi conhecida por negociar prazos longos de pagamento, mas continuava a ter pedidos aceitos pelo enorme volume de vendas.
A revelação do rombo financeiro mudou o poder de mãos e fez com que a varejista passasse a ser dependente dos fornecedores. As ordens passaram a ser confirmadas com dinheiro na hora.
Para Rômulo Pozzebon, assessor de investimentos da Ável, a injeção de capital dos acionistas Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira e a conversão de dívidas bancárias em ações foram aspectos cruciais do plano de recuperação.
No total, a capitalização envolve recursos da ordem de R$ 24 bilhões entre acionistas e credores. Mas, ainda assim, ele opina, pode não resolver todos os problemas.
Caroline Sanchez, analista da Levante Corp, avalia que a reestruturação operacional é fundamental para que a empresa consiga voltar a se financiar sozinha:
"A ideia é que a companhia fique um pouco mais nichada, seja uma empresa menor, em regiões estratégicas. É um desafio gigante".