Marcas de beleza centenárias misturam tradição e inovação para conquistar novos clientes
Sem abandonar a tradição, setor de perfumaria, cosméticos e higiene pessoal inova para manter a sintonia com o consumidor
Num país em que a idade média das empresas era de 11,4 anos em 2021, segundo levantamento do IBGE divulgado no fim do ano passado, surpreende que a certidão de nascimento de algumas delas remonte ao início do século XX ou ao XIX.
Mas isso não é tão raro no setor de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos, que coleciona marcas centenárias que estão na memória afetiva de várias gerações. Afinal, particularmente neste segmento, tradição e confiança fazem diferença.
A história de algumas dessas marcas longevas revela lições de como um negócio pode preservar seu legado e, ao mesmo tempo, inovar para manter sua sintonia com o comportamento do consumidor, misturando passado e futuro no presente.
É a fórmula do sucesso para Sissi Freeman, diretora de Marketing e Vendas do Grupo Granado Phebo. Há duas décadas ela é a principal estrategista da companhia, mas está ligada a ela desde que, em 1994, seu pai, o empresário inglês Christopher Freeman, comprou o negócio fundado pelo português José Antonio Coxito Granado em 1870, com direito a selo da família imperial.
Em 30 anos sob nova direção, a indústria renovou seu portfólio privilegiando justamente a tradição em uma ambiciosa estratégia de rebranding (revitalização de marcas). Seus produtos passaram a chamar a atenção com uma pegada vintage nas embalagens e um braço de varejo com lojas atentas aos mínimos detalhes. Renascida, a Granado acelera agora, aos 154 anos, seus passos no exterior.
"Quando se tem uma empresa centenária, a responsabilidade por sua manutenção e crescimento é maior. Meu pai e eu queremos inovar, valorizar o legado, torná-la globalizada e representante do cosmético do Brasil" planeja Sissi, que comanda 2.094 empregados, pilota ações de marketing e projetos sociais e ainda capitaneia a estratégia de diversificar canais de vendas.
Além da indústria, o grupo tem 95 lojas no Brasil. Lá fora, há lojas-conceito na França, em Portugal, nos EUA e na Inglaterra. Chega logo à Espanha com pontos de venda na loja de departamentos El Corte Inglés.
A Granado entrou em perfumaria há seis anos, mas a categoria já representa 24% das vendas em loja. No portfólio, há 32 colônias, 11 eaux de toilette e 10 perfumes. Para se atualizar e abrir novas frentes de crescimento, incorporou a agenda ESG ( governança ambiental, social e corporativa) com o compromisso de produção limpa e sustentável e logística reversa de embalagens.
"Nossa marca é democrática, transita entre várias classes sociais" afirma Sissi. "Em 2023, tínhamos a meta de crescer de 18% a 20%, mas já em outubro estávamos em 26% e alcançamos R$ 1,3 bi de receita líquida, alta de quase 35% em relação a 2022".
Segundo ela, o lucro foi de R$ 215,4 milhões em 2023, mais que o dobro do ano anterior: R$ 86,3 milhões.
Para Clotilde Perez, professora da USP e integrante do Conselho Firjan de Mulheres, os pilares tradição e qualidade são as bases da inovação e da permanência no mercado de beleza e cuidados pessoais.
"Só é possível ser inovador a partir da excelência e do conhecimento profundo do mercado, incluindo as pessoas" analisa a pesquisadora de marcas e publicidade e autora de “Há limites para o consumo?”. — O lançamento de novos produtos, a ressignificação de itens já existentes e extensões de linha cumprem essa função de vitalidade da marca.
Cosméticos orgânicos
Nesse campo, a suíça Weleda também é uma centenária que assumiu práticas ESG para se modernizar. Construiu uma sólida reputação de 103 anos com cosméticos naturais, orgânicos e sustentáveis e medicamentos antroposóficos — uma linha de pensamento criada, em 1912, pelo austríaco Rudolf Steiner, que alia ciência e espiritualidade.
A exemplo de outras multinacionais centenárias de beleza — como as francesas L’Oréal (1909) e Coty (1904), a japonesa Shiseido (1872) e a americana Avon (1886), comprada pela brasileira Natura — a Weleda se espalhou pelo mundo. Está em mais de 50 países. No Brasil, onde busca sintonia com os novos tempos, faturou R$ 100 milhões no ano passado, correspondentes a 3% da operação global.
Seus produtos, feitos com óleos vegetais e essenciais e extratos são certificados pela Natrue, associação internacional de fabricantes de cosméticos naturais e orgânicos. É o tipo de produto que cai como uma luva no perfil de sua consumidora no século XXI: mulher jovem e mãe, entre 25 e 55 anos, de classe A.
Seguir os princípios da agricultura biodinâmica, que renuncia a elementos industrializados, sintéticos e químicos, exigiu que a marca mantivesse oito cultivares, um deles com 30 espécies de plantas, em São Roque, interior de São Paulo.
"Nossas consumidoras têm ou estão construindo um estilo de vida mais natural, sustentável e consciente, pautado em escolhas como alimentação saudável; consumo e descarte responsável de produtos; uso de cosméticos, medicamentos, terapias holísticas e integrativas" descreve a farmacêutica-bioquímica Maria Claudia Villaboim Pontes, CEO da Weleda no Brasil e na América Latina.
Demorou, mas a Minancora, fundada em Joinville (SC) em 1915, destaque em cuidado dermatológico tópico, entrou nas redes sociais em 2017. O mote inicial de que sua pomada “o Brasil inteiro conhece e usa” aos poucos agregou um humor leve. Mas o foco é a agenda de movimentos identitários, como o feminismo e o LGBTQIA+. No Instagram, os 109 mil seguidores são chamados de “minancolovers”.
"O humor foi um caminho para quebrar o gelo em busca de uma linguagem mais coloquial" diz Lourdes Duarte, gestora-presidente da Minancora, que frisa que a marca não gera passivo ambiental nem faz testes em animais.
"Lifting" na deusa
No início de 2024, para se adequar aos novos tempos, a deusa Minerva, logomarca da Minancora há 109 anos, passou por um lifting. No redesenho da embalagem da pomada multiúso, à base de cânfora, óxido de zinco e cloreto de benzalcônio, houve a preocupação de manter o mesmo visual tradicional, mas a efígie reaparece de perfil e com ar altivo. Tudo a ver com a mulher de hoje, acredita Lourdes.
"O objetivo foi torná-la mais empoderada" explica a executiva, advogada de formação que é bisneta de Eduardo Gonçalves, farmacêutico português fundador da marca. "Temos consumidores cativos, mas, com as redes sociais e o e-commerce, estamos chegando às novas gerações. Por isso atuamos com influencers em todo o Brasil".
Segundo dados da Close-Up International, empresa de soluções do setor farmacêutico, a Minancora teve um aumento de vendas nas plataformas on-line de 104% no primeiro trimestre deste ano.
"Acredito que se deve ao trabalho nas redes digitais" afirma Lourdes, que prefere não abrir as cifras da empresa, mas informa um aumento de dois dígitos nos pontos de venda físicos."A pomada Minancora é vendida em 95% das farmácias no Brasil. É trabalho de gestão, não é milagre passar dos 100 anos".
Clientes corporativos
Desde 1997, a família Minancora vem ganhando integrantes na área de skin care, como creme antiacne, sabonetes em barra e líquido antiacne, gel creme antissinais e um creme relaxante para os pés.
"Vamos ampliar nosso portfólio com lançamentos para o corpo em 2025" revela Lourdes, que planeja a oferta da operação para clientes corporativos, outras marcas e empresas, por meio do modelo de economia colaborativa.