Presidência Trump: avaliação dos primeiros dias
Ser disruptivo é mais do que desafiar a ordem vigente. É substituir um paradigma por outro, e redesenhar as regras do jogo. No entanto, a disrupção não é, por si só, um conceito positivo ou negativo. Seu significado depende do que é demolido e do que se constrói em seu lugar. Donald Trump, em seu segundo mandato, não é apenas um governante reformador; ele é um engenheiro de ruptura. O que ainda não sabemos é para quem sua obra dará certo ou errado.
O primeiro mês do novo governo Trump tem sido marcado por uma vitalidade impressionante. A cada dia, uma nova iniciativa de grande impacto é anunciada. Ao contrário do ritmo gradualista adotado por outros presidentes no início de mandato, Trump age como se cada dia fosse uma oportunidade irrepetível de reformular as ordens vigentes.
Até agora, todas as medidas implementadas refletem suas promessas de campanha. A materialização de seu projeto político foi antecipada. Seu comportamento de repetir exaustivamente que promessa feita é promessa cumprida explica, em parte, a hesitação dos democratas em confrontá-lo diretamente. O silêncio dos seus opositores tem sido eloquente.
Não há resistência no Congresso, Trump conseguiu aprovar todos os seus indicados para os postos mais estratégicos do governo, consolidando um núcleo leal e alinhado com sua visão de ruptura.
Seu plano da reforma do Estado segue em ritmo acelerado. Sob a supervisão de Elon Musk, a administração pública está sendo redefinida. Ainda não sabemos se para um modelo mais ágil e tecnológico, e mais barato. Esse é o discurso. Assim, agências inteiras foram dissolvidas, enquanto setores do funcionalismo público enfrentam cortes significativos.
No campo externo, enquanto declarações e provocações non sense ocupam os holofotes, a grande disputa que deve ser observada é com a China. Tarifas punitivas foram impostas sobre setores estratégicos chineses, e Washington ampliou as restrições a investimentos e aquisições de empresas americanas por conglomerados chineses. Diferente de governos anteriores, que equilibravam confronto e cooperação, Trump adotou uma postura de embate direto, principalmente, no contexto da guerra pelo domínio da Inteligência Artificial, buscando ampliar a dianteira americana.
No entanto, a guerra tarifária carrega riscos internos consideráveis, especialmente a possibilidade de pressionar a inflação nos Estados Unidos. O aumento dos custos de importação pode gerar um efeito cascata sobre preços ao consumidor e setores produtivos, comprometendo a estabilidade econômica e, ironicamente, minando a sua própria base eleitoral. O tiro pode sair pela culatra se a economia americana sentir os efeitos dessa política de forma prolongada.
Além disso, Trump elevou a pressão sobre os parceiros da OTAN, exigindo aumentos expressivos nos gastos militares e ameaçando reavaliar o compromisso americano com a aliança caso as demandas não sejam atendidas. Se antes os Estados Unidos eram vistos como o fiador da estabilidade ocidental, agora Trump projeta sua influência como um negociador que mede cada aliança pelo retorno tangível para os EUA.
A reversão das políticas de Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI) é outro marco desse processo. Justificando suas ações como um retorno ao common sense, Trump identificou nessas políticas um vetor catalisador de força política. Percebe-se claramente que os democratas já assimilaram o golpe e já adotaram uma mudança de postura. Dessa maneira, o combate às políticas de DEI tem sido um grande ativo político para Trump.
Até agora, Trump tem conseguido avançar sem resistência significativa. Seu governo segue sem grandes embates institucionais, e sua agenda tem sido anunciada e imposta com surpreendente estardalhaço. Assim, Trump domina a imprensa e é notícia o dia todo. O anúncio do dia anterior já não é mais comentado. Entre medidas concretas, muita cortina de fumaça, provocando um verdadeiro efeito fog. Nele, ele avança.
O que Trump projeta não é uma hegemonia americana baseada na busca pela aceitação internacional. Diferente do que se pode supor, a história dos Estados Unidos nunca foi orientada exclusivamente pelo Soft Power. Sua ascensão ao topo da ordem global foi uma combinação de força militar, preeminência econômica e projeção de influência cultural. O que seu governo faz agora é consolidar um modelo no qual o uso aberto da coerção econômica substitui, em grande parte, as demonstrações militares de força. O Hard Power não é substituído, mas se remodela: as tarifas e sanções se tornam armas tão poderosas quanto frotas navais.
As significativas mudanças de posições de oponentes, a alteração do tom das principais emissoras de TV, entre elas a CNN, que reduziram a agressividade contra ele, e a falta de resistência significativa dos democratas e de suas lideranças demonstram que seu estilo está trazendo resultados. Mas será essa uma tendência duradoura ou apenas um momento de adaptação dos adversários a um novo cenário?
Sem a preocupação de buscar reeleição, Trump se dirige ao seu verdadeiro destino: a História. No plano interno, seu objetivo é tornar irreversível sua visão conservadora de sociedade, e ser lembrado como o líder que derrotou a chamada cultura woke. No plano externo, sua meta não é apenas reformar a diplomacia americana, mas deixá-la irreversivelmente marcada por uma nova doutrina, a ser chamada de Doutrina Trump: um Estados Unidos que negocia a partir da força, que não se desculpa por sua assertividade e que usa sua economia como arma política central.
O fato é que nunca houve um começo tão disruptivo na história da política americana. Vamos acompanhar os próximos capítulos.
* Cientista político e professor da UFPE.
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