SAÚDE

Doença genética rara e fatal é tratada com sucesso no útero pela primeira vez, nos EUA

Criança diagnosticada com atrofia muscular espinhal já fez dois anos e não apresenta sinais da patologia

Doença genética rara e fatal é tratada com sucesso no útero pela primeira vez, nos EUA - Arquivo/MDS

Uma menina de dois anos e seis meses não mostra sinais de atrofia muscular espinhal, distúrbio genético raro, após ser a primeira pessoa tratada para a condição enquanto estava no útero. A mãe da criança utilizou regularmente o medicamento direcionado ao tratamento durante a gravidez, e agora a filha segue tomando.

A paciente foi objeto de estudo de uma pesquisa realizada pela neurologista pediátrica Michelle Farrar, da Universidade de Sydney, na Austrália. Os resultados foram publicados no New England Journal of Medicine, nesta quarta-feira.

Ainda no útero, a criança foi diagnosticada por uma condição genética conhecida como atrofia muscular espinhal, que afeta os neurônios motores que controlam o movimento e leva ao enfraquecimento muscular progressivo. Em cada 10 mil nascimentos, um indivíduo sofre da condição. Embora rara, muitas vezes ela causa a morte de bebês e crianças.

 

No tratamento conduzido pela doutora Michelle Farrar, a paciente tinha o estágio mais grave da doença, quando o corpo não produz proteína suficiente e necessária para manter os neurônios motores na medula espinhal e no tronco cerebral. Esta proteína é muito importante nos nove primeiros meses de vida.

Tratamento
Até então, o tratamento para a atrofia muscular espinhal é administrado após o nascimento, mas após o estudo, a realidade pode sofrer modificações. O medicamento utilizado neste estudo, chamado Risdiplam, fabricado pela empresa de biotecnologia Roche, com sede em Basileia, na Suíça, já foi aprovado para uso pela Administração de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos.

O órgão é uma agência federal do governo americano, responsável pela regulamentação e supervisão de alimentos, medicamentos, cosméticos, produtos de tabaco e outros produtos relacionados à saúde.

Mas como funciona o medicamento? Os indivíduos com esta condição rara, não têm ambas as cópias do gene SMN1 e têm somente uma ou duas cópias do gene SMN2. Assim, o Risdiplam é um modulador do RNA (molécula essencial em todos os seres vivos e atua na síntese de proteínas) que atua especificamente no gene SMN2, uma cópia do gene SMN que pode produzir proteína, mas em quantidades insuficientes para prevenir os danos causados pela doença.

Dessa forma, o medicamento ajuda a melhorar a produção de proteína SMN pelo gene SMN2, o que pode diminuir a progressão da doença e melhorar a função muscular. A princípio, o medicamento seria via oral, mas o estudo mostrou que eficiência em fetos.

Proposta dos pais
Segundo o neurocientista Richard Finkel, que atua no St. Jude Children’s Research Hospital, em Memphis, Tennessee e liderou o estudo, a ideia surgiu dos pais da criança. “Eles já haviam enfrentado uma perda”, explicou o profissional, e queriam saber se existiam opções de tratamento antes do nascimento.

Assim, a equipe buscou a Administração de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos e conseguiu aprovação para uso do medicamento no caso específico. A mãe, grávida de 32 semanas na época, tomou o medicamento diariamente por seis semanas. Após uma semana de nascimento, o bebê deu continuidade e seguirá provavelmente com ele até o final da vida.

Testes realizados no líquido amniótico (fluido que envolve o bebê no útero) e no sangue do cordão umbilical no parto, sugerem que o medicamento estava surtindo efeito durante a gestação. Em comparação com outros bebês na mesma condição, a criança tinha níveis de proteína SMN mais elevados e menores níveis de danos nervosos.

Além disso, a criança ainda não apresentou sinais de fraqueza muscular e seu desenvolvimento muscular segue dentro da normalidade. Mesmo sendo apenas um caso, o estudo indica “como é importante o tratamento precoce”, explica Farrar.

No momento, os cientistas esperam que o resultado positivo abra portas para estudos maiores. Além disso, levanta o debate sobre a possibilidade de tratamento de diversas condições genéticas ainda no útero, afirma Finkel.