Morre Souleymane Cissé, cineasta maliano pioneiro do cinema africano em Cannes, aos 84 anos
Ele ganhou vários prêmios ao longo de sua carreira de 50 anos, incluindo o Prêmio do Júri no Festival de Cannes, e dedicou sua vida à promoção do cinema africano
Souleymane Cissé, premiado roteirista e diretor que se tornou o primeiro cineasta negro africano a vencer o Prêmio do Júri no Festival de Cannes, faleceu na quarta-feira (19) em Bamaco, Mali. Ele tinha 84 anos.
Sua morte foi confirmada por François Margolin, produtor de cinema francês e amigo próximo de Cissé.
Cissé havia acabado de participar de uma coletiva de imprensa na manhã de quarta-feira para apresentar dois prêmios antes do Festival Pan-Africano de Cinema e Televisão de Ouagadougou, conhecido como Fespaco, onde ele seria o presidente do júri.
Após a coletiva — na qual estava “falando e brincando” — Cissé foi tirar um cochilo e não acordou mais, disse Margolin.
Cissé alcançou fama mundial com o lançamento, em 1987, de Yeelen (Luz em seu idioma nativo, o bambara).
O filme venceu o Prêmio do Júri em Cannes e foi indicado ao prêmio de Melhor Filme Estrangeiro no Spirit Awards de 1989.
O diretor Martin Scorsese chamou o longa de “uma das grandes experiências reveladoras da minha vida como espectador de cinema.”
Quem foi Souleymane Cissé?
Souleymane Cissé nasceu em 21 de abril de 1940, em Bamaco, capital do Mali. Durante o ensino médio, viveu em Dakar, Senegal, antes de se mudar para Moscou, onde estudou na Universidade Estatal Russa de Cinematografia com uma bolsa de estudos, segundo o Festival de Cannes.
Entre seus familiares, Cissé deixa suas filhas Fatou, cineasta que trabalhou de perto com o pai, e Mariam.
Seu último trabalho foi o filme O Ka (Nossa Casa), de 2015, o quinto de sua carreira a estrear em Cannes.
O filme conta a história da remoção forçada de suas quatro irmãs de sua casa de infância pela polícia em 2008.
Em 2023, Cannes prestou mais uma homenagem a Cissé, concedendo-lhe o Carrosse d’Or (Prêmio Carruagem de Ouro), honraria entregue pela Sociedade de Realizadores de Filmes da França.
Ele se tornou o segundo cineasta africano a receber o prêmio, depois de Ousmane Sembène, diretor senegalês laureado no festival de 2005.
Ele se manteve enérgico até o fim da vida, disse Margolin, trabalhando e viajando pelo mundo.
"Ele nunca foi um homem velho" afirmou Margolin, que viu seu amigo pela última vez há cerca de seis meses.
Cissé dirigiu seu primeiro longa-metragem, Den Muso (A Jovem), em 1975. O filme, falado em bambara, conta a história de uma garota muda que engravida após ser estuprada e, em seguida, é rejeitada por sua família.
Cissé “não poupou críticas em sua estreia”, afirmou o Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA) em 2022, quando exibiu o filme como parte de seu Festival Internacional de Preservação de Filmes.
As autoridades malianas censuraram o longa, e Cissé foi brevemente preso sob o que o MoMA descreveu como “acusações forjadas.”
Mas foi com Yeelen, seu quarto longa, que Cissé se consolidou como um dos principais cineastas do mundo. O filme narra a história de um jovem com poderes mágicos que viaja para encontrar seu tio e pedir ajuda para enfrentar seu pai, um feiticeiro.
Ele “recria o mundo pré-moderno da cultura bambara, onde a única referência à era industrial é a presença de um ferreiro”, escreveu The New York Times em 1987.
Scorsese afirmou que o filme ajudou a inspirá-lo a criar o World Cinema Project, uma organização sem fins lucrativos dedicada à restauração de filmes negligenciados ao redor do mundo.
“O trabalho de Souleymane teve um impacto profundo e duradouro em mim”, escreveu Scorsese em 2023.
“Se a profissão reconhece os filmes que você fez”, disse Cissé a uma rádio francesa em 2023, “acho que isso é uma recompensa excepcional.”
Na mesma entrevista, ele expressou otimismo sobre o futuro do cinema africano, dizendo que não acreditava que levaria mais 15 anos para outro diretor do continente ganhar o Carrosse d’Or.
Ele também enfatizou a importância do cinema africano. “A África não pode ser transportada para a França, para a Europa ou para os Estados Unidos”, disse.
“A África é transportada por meio das imagens.”