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'Pai da aviação': Disputa entre Santos Dumont e irmãos Wright não apaga pioneirismo do brasileiro

Americanos voaram três anos antes do 14-Bis, mas modelo construído pelo inventor mineiro foi o primeiro a ser reproduzido em massa ao redor do mundo

Santos Dumont - Wikipédia

Se você é brasileiro, muito provavelmente cresceu tendo a certeza de que Santos Dumont (1873-1932) é o pai da aviação — inclusive, um dos aeroportos do Rio de Janeiro leva o nome dele e uma réplica do famoso 14-Bis decolou na abertura dos Jogos Olímpicos no Rio, em 2016.

Mas a disputa sobre quem realmente inventou o avião atravessa décadas e está longe de um consenso global, como mostra uma reportagem publicada pelo Washington Post esta semana.

Para muitos estrangeiros, especialmente os americanos, os irmãos Wright são considerados os pioneiros da aviação. Especialistas argumentam que o debate beira o nacionalismo, mas há argumentos históricos que justificam por que Santos Dumont merece ser chamado de Pai da Aviação — ainda que não tenha sido o primeiro a tirar uma máquina do solo.

O principal questionamento sobre os voos dos Wright se concentra no fato de que o Flyer I, em 1903, precisou de uma catapulta para decolar. Isso contrasta com o 14-Bis, de Santos Dumont, que em 1906 decolou, voou e pousou de maneira totalmente independente, sem qualquer tipo de auxílio externo.

Na época, a Federação Aeronáutica Internacional (FAI), baseada na França, reconheceu o feito como a primeira demonstração pública bem-sucedida de um avião.

Americanos argumentam que a catapulta não invalida o Flyer I porque pode ser comparada ao uso de dispositivos modernos, como o sistema de catapultas de porta-aviões. No entanto, em 1903, a tecnologia era rudimentar e não se enquadrava na definição de voo autônomo da época.

Outro argumento forte em favor de Santos Dumont está na contribuição efetiva para o desenvolvimento da aviação. Os irmãos Wright passaram anos envolvidos em disputas de patentes, tentando impedir que outros construtores desenvolvessem aeronaves baseadas em seus projetos.

O brasileiro, por outro lado, abriu mão de patentes e incentivou a construção de aviões, tornando possível a produção em massa do Demoiselle, seu segundo protótipo, considerado o primeiro avião acessível e viável para uso em larga escala da História.

Enquanto os Wright se tornaram figuras importantes nos Estados Unidos, seu impacto imediato foi limitado. Já o Demoiselle foi fabricado em série e seus planos foram compartilhados livremente, estimulando a aviação na Europa — com mais de 100 unidades replicadas em todo o mundo.

É inegável que os Wright voaram antes de Santos Dumont. Mas é igualmente importante reconhecer que, à época, o 14-Bis foi considerado um feito inédito. A própria FAI, que depois reconheceu os Wright, inicialmente celebrou Santos Dumont como o pioneiro da aviação.

Então, por que a narrativa mudou? Parte da resposta está na influência cultural e no poder da indústria americana, afirmam historiadores brasileiros. A história dos Wright foi amplamente difundida pelo cinema, pelos livros e pelo prestígio das instituições americanas.

Ao contrário do que sugere a reportagem do Post, não se trata apenas de patriotismo brasileiro. O próprio Santos Dumont era uma figura reconhecida internacionalmente e sua contribuição vai além da disputa pela primazia do voo, dizem especialistas.

Ele foi um dos maiores responsáveis por tornar a aviação algo replicável e acessível, um legado que, no fim, é mais importante do que qualquer questão de datas.

Assim, não é apenas uma questão de quem voou primeiro, mas de quem fez a aviação de fato decolar.