Taís Araujo analisa o Brasil de "Vale tudo" e comenta a falta de atores negros na primeira versão
Atriz afirmou que a personagem Raquel não era negra em 1988 por conta do racismo
Taís Araujo participou do videocast "Conversa vai, conversa vem" , do Jornal Globo.
Em conversa com a jornalista Maria Fortuna, a intérprete da "Raquel" no remake de "Vale tudo" analisou as diferenças na compreensão do Brasil de 1988, data da primeira versão da novela, até hoje.
Ela também comentou a falta de atores pretos no elenco da versão original e afirmou que sua personagem não foi encarnada por uma atriz negra por causa da ausência do protagonismo preto na TV anos anos 1980.
Leia abaixo:
Se pensarmos em termos de Brasil, é muito provável que Raquel, uma mulher que vende salgadinho na praia, fosse negra. No entanto, na primeira versão da novela, ela era branca. Acha que isso tem a ver com o fato de que, nos anos 1980, praticamente não existia protagonismo preto na TV?
Tem 100% a ver. Na primeira versão, tinham dois atores negros. No Brasil de 1988, era inviável. E não porque não tinha atores pretos trabalhando, eles não eram é respeitados, vistos, sequer escalados, sequer pensados para fazer isso.
É lindo construir essa narrativa hoje. Quem construiu essa narrativa deturpada da população preta, LGBTQIAPN+ e outras à margem do centro e do poder foi o jornalismo, telejornalismo, a publicidade e a teledramaturgia.
Sobretudo, essa última, que é quem conta a história de um país, é a identidade brasileira. Durante muito tempo, a população negra só era vista como a mazela do país, desde que foi trazida sequestrada, escravizada. Óbvio que tem um valor comercial gigantesco por trás disso.
Mas é um valor a ser respeitado como consumidor no mundo capitalista. É nossa responsabilidade reconstruir a narrativa. E isso está rolando. Para compor Raquel, me inspirei nas mulheres brasileiras negras que sustentam a base da pirâmide, estão no corre, são mãe solo.
Que a gente, que vive o privilégio absoluto sem ter que se preocupar com fazer comida, limpar a casa, olha e pensa: "Como ela consegue?".
A começar pelo "Brasil, mostra a tua cara" da música de abertura, do Cazuza, "Vale tudo" sempre ajudou a entender várias camadas do país. Acha que a compreensão sobre corrupção e desigualdade mudou muito de lá para cá? O Brasil melhorou, piorou, ainda é o mesmo?
É e não é o mesmo Brasil. É o mesmo Brasil sem véu. Havia o véu sobre o racismo, o mito da democracia racial, sobre a questão da corrupção, o abismo entre ricos e pobres.
Esse véus caíram. É uma outra maneira de a gente ver o Brasil, que é um país muito imaturo ainda, que não consegue se enxergar, mas já é mais maduro do que o 1988.
Muitas coisas estão afloradas. Vai ser interessante agora, em 2025, ver um país tão complexo com um olhar um pouco mais maduro.