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Sem acordo com EUA, Brasil pode taxar filmes de Hollywood, alimentos e produtos de beleza

Segundo interlocutores do governo Lula, prioridade é acordo com Trump, mas tudo está sobre a mesa

Icônico letreiro de Hollywood - David Swanson/AFP

Um dia antes do anúncio de novas medidas protecionistas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, o governo brasileiro tem como prioridade um acordo com os americanos, para que as exportações do Brasil não sejam prejudicadas. Porém, segundo interlocutores envolvidos diretamente no assunto, um plano de retaliação não está descartado e tudo está em análise: desde a elevação de tarifas a produtos importados dos EUA, passando pela taxação ou o bloqueio de dividendos gerados pela exibição de filmes produzidos em Hollywood e a cassação de patentes de medicamentos não controlados.

Ainda na parte de direitos autorais e propriedade intelectual, está sobre a mesa a quebra de patentes de sementes, defensivos agrícolas, obras literárias e musicais. Se escolher esse caminho, o governo deverá optar pela taxação ou o bloqueio temporário de remessas de dividendos e royalties.

 

Essas medidas, ressaltam integrantes do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, só serão tomadas como último recurso. Na falta de um acordo, entre os bens importados dos EUA que poderiam ter alíquotas elevadas estão produtos de beleza, leitores de código de barras, fones de ouvido, óculos de sol, automóveis e alguns alimentos, como cerejas e batatas.

De forma geral, quando um filme americano é importado para o Brasil, ele está sujeito a tributos, como o Imposto de Importação e o ICMS. Há, ainda, cobrança a distribuidores e produtores do material sobre o lucro gerado nas vendas em bilheterias, por exemplo, assim como sobre a remessa de dividendos para os EUA, que pode ser sobretaxada ou bloqueada.

Já em relação às patentes de medicamentos, o Brasil hoje pode quebrá-las em situações de emergência de saúde pública, como epidemias, o que permite que o governo autorize a produção de versões genéricas. Já os direitos autorais sobre livros e musicais podem ser cassados como "exceção de uso justo". Mas essas medidas podem ser aplicadas em um contencioso, com a autorização de retaliação cruzada (que inclui bens e serviços) da Organização Mundial do Comércio (OMC).

O governo Lula já avisou que poderá recorrer à OMC contra a elevação unilateral de tarifas. Se confirmada a expectativa de aplicação linear de sobretaxas, ou seja, que atinja todos países fornecedores, e não apenas os produtos brasileiros, uma ação na OMC movida pelo Brasil e outros parceiros internacionais se fortaleceria.

De acordo com a colunista do Globo, Miriam Leitão, amanhã, o governo americano anunciará as novas tarifas de importação país por país, que poderão ir de 10% a 25%. A alíquota vai incidir sobre as já existentes.

Não se sabe se as medidas começarão a valer imediatamente, ou se terão prazo para vigorar. Em Brasília, a avaliação é que o mais provável é que a elevação de tarifas ocorra de forma horizontal, afetando os principais mercados fornecedores de bens aos americanos.

Entre os produtos que já foram atingidos pela política protecionista de Trump estão aço, alumínio e automóveis, que passarão a ter uma tarifa de 25%. Não se sabe se os EUA anunciarão alíquotas sobre as já anunciadas. Madeira, fármacos e etanol são exemplos de itens que terão sobretaxas.

Segundo autoridades do governo Lula, há algumas indicações de Washington, mas pouca clareza nos sinais. Uma possibilidade seria a imposição de tarifas que atingiriam todos os parceiros comerciais dos EUA. O outro caminho seria a aplicação de tarifas recíprocas, o que levaria o etanol brasileiro a receber um imposto idêntico ao aplicado pelo Brasil, de 18%. Nos EUA, a alíquota de importação é de 2,5%.

O anúncio de novos aumentos tarifários está marcado para a próxima quarta-feira, data que está sendo chamada por Donald Trump de "dia da libertação". Paralelamente, representantes dos governos do Brasil e dos EUA negociam um acordo que não prejudique as empresas brasileiras. Uma das saídas é a criação de cotas de importação, em que uma quantidade limitada de itens entraria em território americano sem sobretaxas.

Em Brasília, integrantes do governo que acompanham o assunto avaliam que Trump terá dificuldades para aplicar o princípio da reciprocidade, em que alíquotas de importação maiores do que as praticadas pelo americanos serão aumentadas. A expectativa é que o imposto cobrado pelos EUA não será ajustado produto a produto, e sim de forma linear.

Em reunião com o representante comercial dos EUA, Jamieson Greer, logo após o anúncio da tarifa de 25% sobre aço e alumínio, há cerca de um mês, o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, chegou a pedir o adiamento da medida por 30 dias, com o argumento de que seria preciso tempo para uma negociação.

Os americanos responderam que não, alegando que a sobretaxa era para o mundo inteiro, e não apenas para o Brasil. Assim, haveria pressão de outros países para a postergação.

O governo brasileiro alega que o Brasil não é uma ameaça às indústrias americanas, porque as economias dos dois países são complementares. E ressalta que o que vai para os EUA é matéria-prima para o aço, e não produto acabado.

O governo do Brasil afirma, ainda, que a balança comercial entre os dois países, de US$ 80 bilhões, é favorável aos EUA. No ano passado, houve um saldo positivo de cerca de US$ 200 milhões para os americanos. Outro argumento usado pelos negociadores é que, dos dez produtos que o Brasil mais exporta para os EUA, oito deles têm alíquota zero.