Guerra

Rússia executa prisioneiros de guerra sem se importar com quem está assistindo, diz Ucrânia

Imagens ao vivo de drones permitem que Kiev acompanhe, em tempo real, o que considera crimes de guerra, relatam soldados

Imagem divulgada pela Rússia mostra soldados ucranianos capturados em Kursk - Ministério da Defesa da Rússia

Em uma manhã de segunda-feira, no ano passado, pilotos ucranianos de drones assistiram a uma cena que já se tornara familiar em sua transmissão ao vivo: soldados russos apontaram armas para dois ucranianos, que aparentemente se renderam.

Em seguida, segundo os registros, os russos os executaram a queima-roupa.

O vídeo, fornecido por um piloto que afirmou ter testemunhado o assassinato na transmissão, foi verificado pelo The Times e pelo Centre for Information Resilience, uma organização sem fins lucrativos.

As imagens parecem mostrar os prisioneiros ucranianos sendo executados perto da vila de Novoivanovka, na região de Kursk, na Rússia.

— Não houve palavras educadas entre nós. Fomos tomados pela raiva e por um desejo intenso de vingança — disse o piloto de 26 anos, que servia na 15ª Guarda de Fronteira Móvel e pediu para ser identificado pelo codinome “One Two”, em conformidade com o protocolo militar.

Enquanto os EUA adotam a narrativa russa ao defender um cessar-fogo na Ucrânia, muitos ucranianos se perguntam se as acusações de crimes de guerra cometidos pela Rússia simplesmente serão esquecidas. Donald Trump já indicou que deseja reestabelecer laços com Moscou e encerrar o conflito — ou, pelo menos, reduzir o compromisso de Washington com Kiev, assumido por Joe Biden.

Os EUA informaram recentemente que estão se retirando de um grupo multinacional criado para investigar crimes de guerra cometidos por Moscou e aliados responsáveis pela invasão da Ucrânia em 2022.

A administração Biden ingressou no grupo em 2023.

O Departamento de Estado americano ainda encerrou o financiamento para o rastreamento de milhares de crianças ucranianas sequestradas pela Rússia.

Embora ambos os lados tenham sido acusados de crimes de guerra, a Rússia enfrenta um volume significativamente maior de denúncias.

Nos últimos meses, autoridades ucranianas e organizações internacionais acusaram tropas russas de executar soldados ucranianos que se renderam, em vez de tomá-los como prisioneiros de guerra, conforme as Convenções de Genebra sobre o tratamento de forças inimigas e civis.

Um recente relatório da ONU denunciou um “aumento alarmante” nas execuções de prisioneiros ucranianos pelas forças russas.

Então, pelo menos mais 25 soldados ucranianos foram mortos, segundo Artem Starosiek, chefe da consultoria ucraniana Molfar, que apoia o esforço de guerra e analisou vídeos dos casos.

— Isso pode ser uma das maiores campanhas de assassinato deliberado de prisioneiros de guerra na história moderna — declarou Andrii Sybiha, ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, em fevereiro.

O Ministério da Defesa da Rússia não respondeu a pedidos de comentário sobre as acusações ucranianas, embora o Kremlin tenha negado repetidamente a prática de crimes de guerra na Ucrânia.

Execuções registradas
Cinco pilotos ucranianos de drones afirmaram, em entrevistas, que já viram vídeos mostrando seus companheiros se rendendo e sendo assassinados.

No Telegram, esse tipo de conteúdo se tornou comum.

Apesar de as autoridades russas negarem crimes de guerra, alguns soldados russos parecem tão despreocupados com possíveis punições que publicam seus próprios vídeos matando ucranianos desarmados.

Em conflitos passados, crimes de guerra geralmente ocorriam longe dos olhos do público, sendo descobertos apenas em investigações posteriores.

No entanto, o uso de drones permite que essas execuções sejam rastreadas em tempo real.

Imagens de baixa qualidade mostraram até 16 homens enfileirados e mortos a tiros em 30 de setembro, após se renderem perto da cidade de Pokrovsk, no leste da Ucrânia.

Em 10 de outubro, nove operadores ucranianos de drones foram obrigados a tirar a roupa até ficarem de cueca, deitar de bruços no chão e, então, foram executados em Kursk.

A filmagem foi tão clara que a mãe de um dos homens o reconheceu.

Algumas execuções foram filmadas pelos próprios soldados russos — como um vídeo publicado em janeiro e amplamente compartilhado nas redes sociais, que mostrava a execução de seis soldados ucranianos perto de Donetsk, segundo o Gabinete do procurador-geral da Ucrânia.

O vídeo termina com um sétimo ucraniano no chão, seu destino incerto.

Embora o local da gravação não tenha sido verificado de forma independente, os soldados mortos usavam braçadeiras amarelas, como as utilizadas pelas forças ucranianas.

Um dos soldados russos no vídeo foi identificado por pesquisadores de fontes abertas, e posteriormente pelo Financial Times, como Oleg Yakovlev.

Desde agosto, a missão de monitoramento de direitos humanos da ONU na Ucrânia documentou 29 episódios em que soldados russos mataram pelo menos 91 soldados ucranianos incapacitados, incluindo o incidente presenciado por “One Two”.

Os investigadores analisaram vídeos e fotos publicadas por fontes ucranianas e russas, entrevistaram testemunhas e verificaram que as execuções ocorreram perto de ofensivas russas, segundo Danielle Bell, chefe da missão.

— É horrível. E esses são apenas os casos em que conseguimos confirmar como confiáveis — disse Bell.

Nos mesmos seis meses, a ONU documentou apenas uma execução de um soldado russo incapacitado por tropas ucranianas.

Retaliação e ordens de execução
Bell não especulou sobre as razões do aumento das execuções.

No entanto, em agosto, tropas ucranianas invadiram Kursk, o que pode ter provocado represálias.

Alguns analistas militares acreditam que os russos tentam intimidar possíveis recrutas ucranianos e evitar que seus próprios soldados se rendam, por medo de vingança.

Soldados russos capturados após executar ucranianos afirmaram, em interrogatórios, que receberam ordens para matá-los, mesmo após avisarem seus comandantes de que os prisioneiros haviam se rendido.

Em um vídeo de interrogatório editado, divulgado recentemente pela Ucrânia, um soldado russo afirmou que os ucranianos “começaram a correr após ouvirem a ordem pelo rádio para abrir fogo”.

Em março, enquanto forças russas tentavam retomar Kursk, circulou uma foto de prisioneiros ucranianos com as mãos amarradas para trás.

Outro vídeo, que não pôde ser verificado, mostrou os mesmos prisioneiros mortos, três deles com ferimentos na nuca. A pessoa que filmava usava insultos ao contar os corpos na câmera.

Analistas acreditam que as ordens vêm do alto escalão. Dmitri Medvedev, ex-presidente da Rússia e vice-chefe do Conselho de Segurança, afirmou que soldados ucranianos “não têm direito à vida ou misericórdia” após um vídeo mostrar um soldado ucraniano atirando em um russo ferido.

“Executem, executem e executem”, escreveu Medvedev no Telegram.

Os pilotos ucranianos de drones frequentemente assistem às execuções sem poder intervir. Mas, em 11 de novembro, após verem dois companheiros serem assassinados, seus comandantes ordenaram retaliação.

Eles rastrearam os cinco soldados russos envolvidos e os cercaram com dez drones.

“E então”, disse “One Two”, “nós os matamos.”