Pernambuco em momento novo e intenso para as histórias em quadrinhos

Estado vive fase de produção intensa, e profissionais buscam outras formas de divulgá-la, através de patrocínio online e das redes sociais

Detalhe de capa feita pelo Sapo Lendário - Divulgação

Não são literatura, nem artes plásticas. As histórias em quadrinhos, a mistura de desenho e texto que compõe uma narrativa (onde não obrigatoriamente há o uso de palavras), são outra arte. Nem sempre reconhecida dessa forma, a produção de historietas era vista com preconceito durante suas décadas iniciais no País. “Coisa de desocupado”, como cita um dos entrevistados à Folha de Pernambuco.

Nos últimos anos, sem um marco determinante, essa percepção vendo sendo modificada. Mais ilustradores brasileiros se apresentam como quadrinistas e mais editoras dedicam uma atenção especial à nona arte, que representa hoje um mercado de fato.

“O quadrinho brasileiro vive, em cem anos, o seu melhor momento”, atesta o roteirista e editor de HQ da recente Editora Noir, Gonçalo Silva Júnior. Embora a casa só exista há um ano, Gonçalo acompanha os quadrinhos desde a infância, na década de 1970. E mesmo antes. Autor de “A Guerra dos Gibis”, sobre o mercado editorial brasileiro de 1933 a 1964, Gonçalo aponta que nesse período sugiram teorias que demonizavam as bandas desenhadas.

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“Diziam que induzia as crianças ao crime, prostituição, homossexualidade, quando não à preguiça mental. Alimentavam essas besteiras. Adultos que liam eram chamados de ‘vagabundos’. Mesmo na década de 1980, as escolas, os professores, tomavam gibis dos alunos, chegavam a pedir para abrir a mochila para verificar”, conta.

Dessa forma, a produção nacional seguiu à margem com produções em fanzines (entusiasta e não necessariamente profissional sobre um tema) e poucas revistas até, com a popularização da internet, encontrar lugar para crescer.

“Hoje quadrinhos é um mercado. O que não era. Com plataformas de financiamento, internet para divulgação, as coisas são bem mais fáceis”, descreve o editor de diagramação e arte da Folha de Pernambuco, Christiano Mascaro.

“Não que todas as barreiras tenham sido superadas. Alguns ainda veem os quadrinhos como uma coisa menor, um facilitador da leitura, algo para preguiçosos lerem os clássicos”. Junto ao também diretor de arte João Lin, Mascaro publica a Ragú, revista pernambucana que veicula produção de HQs e design.

Criada em 2000, a publicação tornou-se marco nacional. Na mesma época, outras iniciativas também surgiram - como a “Front”, publicada pela Via Lettera e produzida pelo gaúcho Kipper, com outros quadrinistas; a “Graffiti 76% Quadrinhos”, de Belo Horizonte; e a “Beleléu”, do Rio de Janeiro.

Destas, apenas a última continua em atividade, mas Mascaro e Lin pretendem mudar essa lista. “Estamos em busca de financiamento para relançar a Ragú. Já fizemos alguns contatos e acertamos parcerias”, adianta o editor.

Encontrando esse patrocínio online, em plataformas de financiamento coletivo, a dupla pernambucana Sapo Lendário e o trio Mistiras já conseguiram tornar físico seus trabalhos. “Não conseguimos nos manter totalmente, mas graças aos eventos, produtos e financiamento coletivo, ajuda a pagar as contas”, explica o fundador do Mistiras, Ary Santa Cruz Netto.

Roteirista, ele quadriniza em conjunto com os ilustradores Luciano Félix e Stéphanie Villas-Bôas. Este ano, eles conseguiram lançar “Angúria”, uma ficção sobre a realidade de violência nas capitais. Além desta, eles publicam toda a sexta-feira uma tirinha de “Um Teco”, “Marco Parlla - o dublador” ou “Angúria”.

Movidos pela aproximação da cena como ilustradores, o casal Natália Lima e Júnior Ramos fez seu primeiro quadrinho: “Mono”. “Temos várias outras ideias, mas, com o fim da faculdade, estamos focando nisso no momento”, diz Natália. Mas eles não deixam de viver a cena.

“Tem de tudo sendo produzido no Brasil. De ficção e terror a histórias realistas. A gente seguiu por uma linha bem criativa. ‘Mono’ conta a história de um robô, e as pessoas precisam seguir pistas para traduzir o que ele diz”, pincela. “Acho que fomos na tendência contrária, porque percebo que o que mais produzem aqui é de caráter realista”, acrescenta.