MÚSICA

Após pausa para cuidar da saúde mental, Lizzo lança novo álbum

Cantora americana conta que sonha em voltar ao Brasil: "Me sinto uma mina braba quando estou aí

A cantora americana Lizzo - Divulgação

Sensação pop que sacudiu o mundo na virada dos anos 2010 para 2020 com as músicas “Truth hurts”, “Juice”, “Good as hell”, “About damn time” e “2 be loved (I am ready)”, a cantora Melissa Viviane Jefferson, mais conhecida como Lizzo, surpreendeu o mundo ao anunciar no ano passado uma pausa na carreira para cuidar da saúde mental.

As coisas definitivamente não iam bem para a americana de 36 anos, uma grande defensora da autoestima e da aceitação (principalmente, autoaceitação) dos corpos fora dos padrões de beleza — que, ironicamente, enfrenta um processo judicial das dançarinas Arianna Davis, Crystal Williams e Noelle Rodriguez por assédio sexual, religioso e racial, discriminação por deficiência, agressão e cárcere privado (Lizzo nega todas as acusações).

 

Mas enfim chegou a hora de dar a volta por cima, decretou a cantora, ao lançar dois singles no começo deste ano: o rock com pegada indie “Love in real life” (em 28 de fevereiro) e o disco-funk “Still bad” (no último dia 13). Sem disposição para comentar os assuntos extramusicais (inclusive, a significativa perda de peso experimentada nos últimos meses), Lizzo concedeu dez minutos de entrevista ao GLOBO.

Para dar a partida na conversa cheia de restrições, o repórter lembrou quando ela veio ao Rio de Janeiro, em fevereiro de 2020, e cantou para ele uma canção brasileira. De início, ela achou que tivesse sido “Garota de Ipanema”, no que ele cantarolou, meio sem jeito, o “Cordeiro de Nanã”, dos Tincoãs, e ela.

— Ah, sim, adoro essa música! — recordou-se Lizzo.

‘Love in real life’
Os dois singles estarão em seu novo álbum, “Love in real life”, que tem lançamento programado para algum dia em junho. A se julgar por outras faixas, ouvidas pela reportagem em confidencialidade, tudo indica que a cantora persegue nesse disco o pop perfeito, com grandes refrãos e muitas referências a mestres dos anos 1980.

— Pop perfeito e grandes refrãos... isso que eu faço, querido! — quebra o gelo Lizzo. — Acho que sou meio que mestre nesse ofício, e é importante para mim compor aquelas canções que todo mundo canta. Tem muita música incrível saindo hoje em dia, e acho que cada um tem o seu papel nessa cena... mas acho que, se eu não buscasse pelo pop perfeito, isso seria um desserviço ao mundo! Dito isso, acho que eu me permiti me soltar um pouco neste álbum. Há momentos que são um pouco mais eu contando uma história e outros em que quis criar obras-primas. Então, você pode esperar pontos altos e pontos mais baixos no disco.

E como ela se sente hoje, passado o tempo que reservou para botar a vida e a cabeça em ordem?

— Acho que a vida é muito boa, se vivida com moderação. Qualquer um que já sofreu de depressão ou que vive com ansiedade sabe que cada dia é diferente, e que qualquer gatilho pode salvar ou estragar o seu dia — diz. — Agora creio que estou pronta para encarar qualquer coisa, fui feita para durar. Eu sempre soube como encontrar alegria, e encontrar alegria, para alguém como eu, é algo radical neste mundo em que vivemos. Buscar a alegria quando você está com dor, ou quando você está sofrendo, ou quando você está triste é algo que pode salvar sua vida. E acho que aprendi a fazer isso muito bem!

Sendo assim, teriam as canções de “Love in real life” alguma coisa a dizer sobre o que ela passou nos últimos meses?

— Cada música desse disco foi composta entre outubro de 2023 e novembro de 2024 — informa Lizzo (e logo em seguida solta uma gargalhada, dando a entender que não havia nada mais a dizer). — Elas são sobre o agora.

Michael Jackson

Assitindo aos vídeos de “Still bad” e “Love in real life”, salta aos olhos um dado em comum: ambos trazem bailarinos executando passos bem parecidos com os dos mortos-vivos em “Thriller”, de Michael Jackson, clipe que foi um divisor de águas na história da música, em 1983.

— Michael é um ícone, e eu acho que ele de fato inventou o videoclipe de suspense desse tipo com “Thriller”, que é como um filme, que fica um pouco assustador ao longo da trama e que tem essas criaturas dançando. Então, sim, eu me inspirei em Michael Jackson, me inspirei em Prince e me inspirei na peste da dança de 1518 (naquele ano, uma bizarra epidemia levou pessoas a dançarem até a morte em Estrasburgo, na França) — diz. — Nós simplesmente nos divertimos muito com aquilo. Eu nunca tinha conseguido fazer um vídeo de estilo narrativo como esse. Foi muito divertido atuar e aprender todas aquelas coreografias.

Inegavelmente uma canção de rock, “Love in real life”, faixa-título do novo álbum, chega no momento do anúncio que Lizzo vai interpretar no cinema a cantora, compositora e guitarrista negra americana Sister Rosetta Tharpe (1915-1973), uma esquecida pioneira do rock, popular nas décadas de 1930 e 40, com sua música entre o gospel e o blues elétrico. Uma personagem que ela já vem estudando faz algum tempo. Seria essa a hora de mostrar que o rock pertence às mulheres negras?

— Bem, ele na verdade pertence a todo mundo, porque Rosetta fez o que fez para que todos pudessem aproveitar, certo? Mas acho que negar sua influência na criação do rock’n’roll e negar sua existência é não só um desserviço à história, mas também injusto — prega Lizzo. — Estou muito grata por ter a oportunidade de compartilhar essa história, porque Rosetta precisa de flores, de crédito. É absurdo que os negros sejam continuamente excluídos da história desse gênero que nem sabíamos que havíamos criado.

Lizzo diz que a primeira vez em que assistiu a vídeos de Sister Rosetta Tharpe tocando e cantando a fez entender muitas coisas sobre si mesma — e sobre o rock.

— Eu fiquei tipo: “Ah, é por isso que eu amava Radiohead quando eu era criança! É por isso que eu amava Mars Volta e Incubus, é por isso que eu gostava de Cardigans e Sixpence None The Richer! Era porque isso estava no meu DNA, era uma parte de mim” — acredita.

‘Preciso voltar ao Brasil’
O tempo vai chegando ao fim, mas ainda dá para lembrá-la de que, apesar de já ter vindo ao Brasil (e de ter feito um pocket show sobre bases gravadas no Rio), ela ainda deve aos seus fãs locais uma apresentação com banda e tudo a que eles têm direito.

— Meu Deus, esse é o meu sonho! Então diga a todos aí para, por favor, ouvirem “Still bad” e “Love in real life” e quem sabe assim consigam trazer de volta a garota Lizzo, porque eu preciso voltar, baby, sinto falta de vocês, vocês são minha família! — animou-se. — Eu me sinto uma mina braba quando estou aí, não há ninguém que ame música mais do que os brasileiros! E “punto final” (em espanhol mesmo)!