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Brain rot: tempo demais nas redes sociais ameaça o seu cérebro...e a produtividade das empresas

Somos um dos países que passa mais tempo conectado à internet, e boa parte dele nas redes sociais. Também somos um país onde apenas um em cada quatro indivíduos tem conhecimentos digitais básicos, como anexar documentos em e-mails e baixar aplicativos. O aparente paradoxo se desfaz, para pior, à luz daquela que foi internacionalmente eleita a expressão do ano pelo Dicionário Oxford: brain rot.

Traduzida como "podridão cerebral" (ou "cérebro apodrecido"), a expressão em inglês não é nova: significa a deterioração mental ou intelectual pelo consumo de conteúdos superficiais ou pouco desafiadores – afinal, talento que não se usa, perde-se. Cunhada dois séculos atrás pelo filósofo Henry David Thoreau, no ano passado foi objeto de mais de 130 mil buscas, possivelmente graças à nova dimensão que o excesso de tempo gasto em entretenimento fácil nas redes sociais lhe rendeu.

A questão é que o tempo dedicado às redes sociais não é só uma decisão individual sem consequências. Levando ao brain rot, ela afeta a competitividade das empresas e o desenvolvimento do país, principalmente por agravar um quadro de renitente analfabetismo funcional. No Brasil, dados recentes mostram que 27% da população entre 15 e 64 anos não tem a capacidade de interpretar textos e realizar operações matemáticas simples.

Para piorar, junta-se à combinação já nefasta de brain rot e analfabetismo funcional um terceiro fator: a iliteracia digital. Neste Brasil altamente conectado e que dedica uma média diária de três horas e meia às redes sociais, 76% da população sofre de iliteracia digital. Levantamento realizado pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) mostrou que, até recentemente, só 24% dos brasileiros tinham conhecimentos digitais básicos.

Os efeitos se sentem não apenas na queda da empregabilidade de cada um em um mundo cada vez mais automatizado. As empresas brasileiras perdem pela dificuldade em encontrar talentos. Mesmo quando é superada a barreira da qualidade da educação básica, a falta de profissionais com competências digitais reduz a adoção, pelas organizações, de novas tecnologias e, consequentemente, a sua eficiência operacional. O que se reflete em pesquisas, como a que colocou o Brasil entre os cinco piores entre 67 países avaliados por sua capacidade de competir globalmente.

No longo prazo, políticas educacionais que promovam o letramento funcional e a alfabetização digital poderão melhorar a qualidade do ensino e levar ao mercado profissionais mais qualificados. No médio prazo, programas de capacitação contínua nas empresas vão garantir a atualização das habilidades profissionais daqueles cujo dia a dia é cada vez mais digitalizado. No curto prazo, cada um deveria pensar no que faz com o seu tempo livre e na qualidade do conteúdo que anda consumindo - seja por vontade, hábito ou facilidade.

Em tempo: a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, realizada a cada quatro anos pelo Instituto Pró-Livro, revelou que um volume considerável de pessoas gostaria de ter lido mais (82%) – e que quase a metade (47%) não o fez por falta de tempo. Em tempos em que a Inteligência Artificial só faz crescer, é sempre bom lembrar que, sem desafios, a inteligência humana atrofia. Por isso, que tal aproveitar que em 23 de abril se comemora o Dia do Livro e colocar as células cinzentas para fazer exercício e ficar em forma?


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