Apagão

O que se sabe sobre o apagão que atingiu Portugal e Espanha e o que autoridades dizem sobre a causa?

Enquanto energia é progressivamente restabelecida em partes de ambos os países, causas do incidente são analisadas por especialistas

Mercado durante apagão em Vigo, Espanha - Miguel Riopa / AFP

Um apagão de grandes proporções deixou a maior parte da Espanha e de Portugal no escuro nesta segunda-feira, paralisando trens, metrôs e voos, afetando o sistema de saúde e a indústria de ambos os países e derrubando sinais de celular nas capitais.

As autoridades ainda não informaram o que causou a queda de energia, com a Rede Elétrica da Espanha, responsável pelo sistema do país, anunciando que “as causas estão sendo analisadas e todos os recursos estão sendo utilizados para resolvê-las”.

O que aconteceu?
O blecaute teve início por volta das 7h no horário de Brasília (11h em Portugal e 12h na Espanha).

Escritórios foram fechados e o trânsito ficou caótico com os semáforos desligados. Imagens da televisão espanhola mostraram estações de metrô em Madri sendo esvaziadas, com trens parados.

O ministro dos Transportes da Espanha, Óscar Puente, anunciou que não seria possível retomar o serviço de trens nesta segunda-feira, mesmo com o retorno da energia.

Em Barcelona, moradores foram vistos entrando em lojas em busca de rádios movidos a pilha, e civis passaram a orientar o trânsito em avenidas importantes da cidade. O

Parlamento espanhol em Madri foi fechado, e os jogos do Torneio de Tênis Madrid Open foram suspensos.

Três partidas estavam em andamento quando a energia foi cortada. Em ambos os países, hospitais e outros serviços de emergência acionaram geradores.

Postos de combustíveis pararam de funcionar.

Juntos, Espanha e Portugal somam uma população de cerca de 60 milhões de pessoas. Ainda não está claro quantas foram diretamente afetadas pelo ocorrido.

Em Portugal, o apagão atingiu Lisboa e regiões próximas, bem como áreas do norte e do sul do país. A polícia portuguesa reforçou o efetivo nas ruas para orientar o trânsito e atender ao aumento de pedidos de socorro, inclusive de pessoas presas em elevadores.

O que causou o apagão?
Após o blecaute, o Instituto Nacional de Cibersegurança da Espanha (Incibe) afirmou que estava verificando se a falta de luz havia sido consequência de um ciberataque.

A possibilidade foi reforçada pelo ministro Adjunto e da Coesão Territorial português, Manuel Castro Almeida, em entrevista à RTP 3.

Nas redes sociais, a hipótese de um ataque cibernético russo também foi levantada, mas perdeu força.

O presidente do Conselho Europeu, o português António Costa, disse que não havia indícios de que o caso foi provocado por um ciberataque.

E a vice-presidente sênior da Comissão Europeia, Teresa Ribera, também declarou à Rádio 5 da Espanha que não há sinais de que o apagão tenha sido provocado de forma deliberada.

Ainda assim, o Conselho de Segurança Nacional da Espanha foi convocado para avaliar a situação.

O primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, afirmou que um problema na rede elétrica europeia, descrito por ele como uma “forte oscilação”, foi a origem da falha, mas que a causa ainda estava sendo determinada.

O ministro da Presidência de Portugal, Leitão Amaro, disse à agência de notícias portuguesa Lusa que teria ocorrido um “problema na rede de distribuição, aparentemente na Espanha”.

Após a divulgação de um relatório que sugeria que um “fenômeno atmosférico raro” teria causado o apagão, a Redes Energéticas Nacionais (REN), fornecedora portuguesa de eletricidade e gás, negou categoricamente essa versão.

Ao New York Times, Bruno Silva, porta-voz da REN, disse que se tratava de uma “fake news” que tem “causado uma dor de cabeça enorme” à companhia.

Retorno de energia
A distribuidora espanhola Red Eléctrica disse que a restauração completa da energia na Espanha e em Portugal poderia levar de 6 a 10 horas.

À tarde, a empresa informou que a energia estava sendo progressivamente restabelecida no norte, sul e oeste da península.

Sánchez agradeceu aos governos da França e de Marrocos, de onde a energia estava sendo puxada para ajudar a restabelecer o fornecimento em partes do país.

— Estamos cientes da relevância e do tremendo impacto do que está acontecendo hoje, da gravidade para a vida cotidiana das pessoas, das perdas econômicas para empresas e indústrias, da ansiedade que está causando em milhares de lares — disse Sánchez em discurso.

O ministro da Energia da Ucrânia, German Galushchenko, disse no X que seu país está “pronto para ajudar a restaurar a operação estável” das redes de energia da Europa, acrescentando que compartilhará seu “conhecimento e a experiência, incluindo aqueles adquiridos durante os ataques sistemáticos russos à infraestrutura energética”.

Mais tarde, a Red Eléctrica disse que mais de 20% da capacidade de energia afetada do país foi restaurada.

Ainda assim, o Ministério do Interior da Espanha declarou estado de emergência em “regiões que o solicitaram”.

Até agora, Madri, Andaluzia e Extremadura pediram que o governo central assumisse a ordem pública e outras funções.

O apagão também afetou brevemente a França. A RTE, operadora da rede elétrica francesa, afirmou em comunicado que alguns lares na região basca francesa ficaram sem eletricidade por um curto período, mas que “toda a energia já foi restabelecida”.

Vulnerabilidades em evidência
Apagões em escala nacional são eventos muito raros na Europa.

Em 2003, a Itália sofreu o pior corte de energia em mais de meio século, quando uma falha nas linhas elétricas vindas de países vizinhos afetou quase todo o território italiano, exceto a ilha da Sardenha.

Em 2019, um grande apagão atingiu Londres após a queda quase simultânea de uma usina a gás e de um parque eólico offshore.

Ainda assim, para especialistas, o evento demonstra o quão frágeis podem ser as redes elétricas.

Quando uma linha de transmissão falha, pode sobrecarregar outras e ocasionar um “efeito cascata”, explicou Artjoms Obusevs, pesquisador sênior da Escola de Engenharia da ZHAW, na Suíça.

Outros analistas dizem ser improvável que o apagão tenha sido causado por uma única falha — e que não deve ser o último a acontecer.

— Ao longo de muitas décadas, podemos observar que pelo menos um grande apagão, na escala deste, tende a ocorrer em algum lugar do mundo a cada ano — disse o professor Bell, da Universidade de Strathclyde, em Glasgow, à rede britânica BBC. — Cada evento é diferente, tanto na forma como começa quanto nas características do sistema em questão que influenciam seu desenvolvimento.

Agora, a Espanha pode enfrentar questionamentos sobre sua decisão de desativar suas usinas nucleares, que atualmente representam 35% de sua matriz energética.

O país também prevê fechar sua última usina de carvão ainda este ano, em favor das fontes renováveis, mantendo as usinas a gás como apoio.

No momento do apagão, a vasta maioria da energia estava sendo gerada por fontes solares.

Sánchez pediu aos espanhóis que economizassem energia e evitassem o uso desnecessário.

Num esforço para acelerar a recuperação, porém, o país começou a acionar suas usinas de gás e hidrelétricas.

Dada a extensão do blecaute, o processo de reativação é meticuloso e conhecido como black start — uma retomada gradual, para a qual as operadoras de rede têm planos preparados que esperam nunca precisar usar.