opinião

Bem-vindo aos 64: como minha numerologia ajuda a superar as decepções com senso de humor

Antes de tudo, uma informação que desmente precipitações para o olhar de quem considerou o título acima. A referência cronológica com o número, nada tem a ver com a História ou a Política. É fato que diz respeito a mim mesmo. Digamos que represente um mero apego por alguma identidade com a numerologia. A recorrência ao número 64 faz parte da minha trajetória de vida. Por maior que possa ser a tolice de desafiar a precisão e frequência desse número, nas minhas situações cotidianas.

De pronto, digo que esse apego me mantém unido ao meu saudoso pai. Não pelas superstições com as quais, algumas vezes, ele tanto se apegava. "No creo en brujas, pero que las hay, las hay". E isso aí: na dúvida, o melhor é encarar as bruxas, de peito aberto. Vão que estão fora do imaginário? Também não devo perder com isso aquela pitada de bom humor, tão necessária, que alivia a alma. Vale sorrir, porque posso estar refém de alguma imagem de câmera escondida. Ou algum VAR alimentado por uma  desses totens espiões, postos nas esquinas. Afinal, tinha razão o Papa Francisco, ao dizer que "o senso de humor é um certificado de sanidade, porque nos humaniza e, por isso mesmo, faz com que essa vida tenha sempre algo para se sorrir“. Que venham "quentes" as bruxas, porque de cá estou "fervendo".

Bem, agora vou direto ao ponto. Hoje, mais um 29 de abril para comemorar. Eis, de novo, a consagração do 64, agora registrado como anos de vida. Marco de um número que aprendi a considerar, porque meu pai sempre o teve em conta. Gostava tanto que quando se aventurava num jogo qualquer, era sua escolha predileta. Segundo ele, inspirado no jogo do bicho, que associa esse numeral ao leão. Talvez até pela sua paixão irrestrita pelo Sport Club do Recife, que também fui capaz de herdar. Assim, seu apego leonino era tanto, que conseguiu mudar a numeração da nossa casa, junto à Prefeitura,  contrariando a ordem da rua. 

Mas, quis o destino, que mesmo com sua referência atlética, de quem jogou vôlei e nadava de forma incólume, ele tivesse seu encontro com a morte, justo aos 64 anos. Vitimado por um infarto fulminante, provocado pela dor de uma derrota do Sport.

Coincidências à parte, não tive como me dissociar do 64. Creio que, até na primeira reação de uma sinapse, quando o assunto é número, lá me vem à tona, do recanto mais reservado da memória, o mesmo e velho 64. E, para quem sobreviveu até aqui, como fruto da teimosia e da resiliência, a primeira meta era chegar onde chego hoje. Mesmo que, desde meu nascimento, tenha encontrado pedras no caminho. Afinal, fui a última tentativa de maternidade e paternidade. Passei por cima de sustos com diagnósticos médicos precipitados. Superei um sequestro doloroso, com o risco de morte dado pelos canos de dois revólveres nas costelas. Com isso tudo em voga, resisti. E cheguei aos 64.

Nessa história despretensiosa, o importante foi mesmo vencer todos os desafios. Nessa linha de raciocínio, escolhi um autopresente, de poder comemorar essa conquista, com (os) e pelo(s) sorriso(s) que a vida nos proporciona. Bem de acordo com aquelas palavras de Francisco. Simples nos gestos, mas rico nos propósitos. E que o maior deles, agora, possa ser um outro ciclo de 64 anos. É natual que precise dessa utopia. E que ela seja realista.

Neste ano de 2025, chego à meta, após enfrentar outras formas de desafios, que me tem deixado perplexo, diante de algumas decepções inesperadas. Só mesmo o bom humor para encarar situações, até mesmo, de quem já duvida da minha capacidade de produzir e gerar resultados. Nesse avançar do tempo, resta-me entender até onde minha decepção tem seu fundamento. Se pela falta de prioridade que já não me concedem mais. Ou mesmo, porque o tempo, já longevo, encarregou-se de passar para os outros algo que não percebo: repetição de ideias, teses superadas, palavras ou ações que não trazem de volta ou significado de um passado auspicioso.

 Aí, nessa condição, parece-me vir à tona a pior forma de indiferença, para quem se sente produtivo na terceira idade. É a tal sensação de etarismo, que deixa essa geração de idosos engasgada com os valores de uma juventude, que não entende o significado e a dimensão, de tudo aquilo que ainda consigo realizar. A graça não está no produzir por produzir. Com o humor que me resta, o reconhecimento que julgo ainda me caber como protagonista é dizer, tanto quanto o filme premiado, que "ainda estou aqui". Que olhem para o que fiz e o que ainda poderei fazer.

Portanto, ao chegar nesta idade que hoje comemoro, tive que entender que saber viver é uma arte engenhosa. Está no acordar bem, por pior que tenha sido o pesadelo. Está na força de se levantar, depois de um tombo. Está no desejo de sorrir, depois de toda decepção. Também está na atitude de jamais desanimar ou recuar, diante dos momentos mais adversos. É seguir na aposta de que as más fases passam É olhar para frente, com a esperança de que é possível vencer..

Sigo com a garra leonina, de se manter nesse campo de lutas. Com o ímpeto de fortalecer meu trato com o tempo: não faço questão de segui-lo, nem quero que ele me siga. Pelo menos, por mais 64, conforme já divulguei.

Que o bom humor me acompanhe. 


___
Os artigos publicados nesta seção não refletem necessariamente a opinião do jornal. Os textos para este espaço devem ser enviados para o e-mail cartas@folhape.com.br e passam por uma curadoria antes da aprovação para publicação.