Mesmo entre mais ricos, maioria dos brasileiros não tem reserva de emergência, aponta estudo
Pesquisa do Instituto Locomotiva encomendada pela 99Pay mostra que, nas classes A e B, 63% dos entrevistados não dispõem de um "colchão de segurança"
Ter uma reserva emergencial — e, principalmente, mantê-la — tem se tornado algo mais raro no Brasil. Uma pesquisa do Instituto Locomotiva encomendada pela 99Pay, à qual o Globo teve acesso com exclusividade, mostra que 73% dos entrevistados não têm qualquer montante guardado para emergências.
Mesmo entre as classes AB, o percentual é elevado: 63% dos entrevistados não dispõem de um colchão de segurança, realidade que costuma ser associada às camadas mais vulneráveis.
O cenário é mais alarmante entre as classes C e DE, onde os índices chegam a 77% e 81%, respectivamente.
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A pesquisa, realizada entre setembro e outubro de 2024, mostra ainda que os principais motivos que levam os brasileiros a recorrer ao crédito são emergências financeiras (53%) e o pagamento de dívidas (31%).
O levantamento ouviu 2.800 pessoas de todos os estados do país — homens e mulheres entre 18 e 65 anos, bancarizados e com histórico de ao menos um empréstimo pessoal na vida.
— As classes mais altas têm mais dinheiro guardado que as classes C e D, o que não quer dizer muita coisa, porque as classes C e D também não têm tanto dinheiro guardado. Educação financeira não tem a ver com guardar dinheiro. Se você ganha pouco, gasta seu dinheiro mais facilmente — observa Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva.
Especialistas avaliam que, mesmo nas classes A e B, a inflação tem consumido reservas mais rapidamente:
— Fazer uma reserva se torna complicado, a pessoa precisa ser muito organizada. E isso já está chegando nas pessoas de classes mais altas. O recomendável é manter uma reserva equivalente à de 3 a 6 vezes o salário, mas isso já está virando uma "não verdade", porque ninguém consegue manter uma reserva de emergência assim — diz a especialista em finanças pessoais Graziela Fortunato, professora da Escola de Negócios da PUC no Rio (IAG).
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Rafaela de Sá, planejadora financeira CFP da Planejar, avalia que a questão não está só na renda: mesmo quem ganha mais, muitas vezes não tem um bom histórico de organização financeira nem uma boa relação com o dinheiro.
— Os bancos digitais trouxeram apoio e mais pessoas passaram a ter acesso a produtos financeiros. Ao mesmo tempo, o simples da educação financeira não se disseminou.
Sem recursos para cobrir gastos inesperados ou dívidas, a saída mais recorrente tem sido o empréstimo pessoal: a pesquisa mostra que três em cada quatro brasileiros recorreram a essa modalidade no último ano — e mais da metade (53%) o fez múltiplas vezes.
A pesquisa revela outro dado preocupante: na hora de contratar um empréstimo, 61% das pessoas priorizam a menor taxa de juros, enquanto só 39% dizem que o mais importante é saber se a parcela vai caber no orçamento.
Meirelles lembra que a renda também influencia a categoria de gasto com mais peso no orçamento:
— Quanto menor a renda, maior o gasto com produtos básicos. A comida pesa mais e é algo que se compra à vista. As classes AB têm mais gastos relacionados a serviços, que são parceláveis. Isso também tem a ver também com a forma de parcelar no cartão. A classe C parcela para ter fôlego. A classe AB parcela para ganhar pontos.
Isadora Simons, gerente sênior de operações na 99Pay, diz que, embora o endividamento seja preocupante, o uso do crédito pessoal pode ser uma alternativa mais saudável financeiramente, especialmente se comparado ao rotativo do cartão de crédito, que tem juros bem mais altos.
— Quando falamos em emergência financeira, queremos dizer que os custos mensais são maiores que a entrada financeira. Como as pessoas estão enroladas financeiramente, já começaram a pensar em substituir uma dívida cara por uma mais barata.
Segundo Isabela, os dados indicam que uma parcela relevante dos consumidores recorre ao empréstimo pessoal para tirar planos do papel, como abrir um negócio.
Já Meirelles ressalta que, entre as classes mais baixas, o pedido de crédito costuma estar relacionado à perda do emprego — o que frequentemente dá início a uma espiral de endividamento. Ele acrescenta ainda que a facilidade de acesso ao crédito influencia bastante na hora da contratação:
— O crédito mais acessível ainda é o crédito do cartão. A classe C tem menos cartões, mas é mais vulnerável.
Isadora avalia que ainda há espaço para ampliar a bancarização no Brasil. Segundo ela, os bancos tradicionais costumam oferecer soluções mais caras para as classes baixas, com cobranças para abrir conta, realizar transações e limites de crédito bastante restritos.
As taxas da 99Pay começam em 2,49% ao mês. Para usuários fidelizados, pode cair a 2%, e a média geral fica entre 7% e 8% ao mês. Isadora reconhece, porém, que a educação financeira ainda é um desafio, principalmente entre as classes C e D. A empresa, segundo ela, estuda lançar iniciativas voltadas a esse tema.
Estou endividado. E agora?
Graziela, especialista em finanças pessoais, observa que muitos consumidores têm migrado do rotativo do cartão — conhecido pelas altas taxas — para o crédito pessoal, como forma de aliviar o orçamento.
Para ela, trocar uma dívida cara por uma alternativa mais barata é um passo importante rumo ao equilíbrio financeiro. Além disso, a especialista recomenda buscar mutirões de renegociação e repensar os gastos do dia a dia.
Uma dica é classificar as despesas mensais em quatro grupos:
A: essenciais e inadiáveis (como água, luz e telefone)
B: importantes, mas com margem para ajustes (supermercado)
C: ligados ao lazer, que podem ser reduzidos
D: totalmente supérfluos (gastos por impulso, apostas, saídas frequentes)
De acordo com Graziela, os grupos C e D devem ser o principal foco de corte para quem deseja reorganizar as finanças e sair do endividamento.