Dia da Vitória

Homenagens a "pracinhas" marcarão os 80 anos da vitória da Força Expedicionária Brasileira

Entre os homenageados está o Capitão Severino Gomes de Souza, mais conhecido como Capitão Souza, de 101 anos

80 anos da vitória da Força Expedicionária Brasileira - Davi de Queiroz/Folha de Pernambuco.

Em 18 de julho de 1945, 24.874 militares que integraram a Força Expedicionária Brasileira (FEB) desembarcavam no Rio de Janeiro após retornarem da Europa Ocidental, onde auxiliaram as tropas americanas no combate aos regimes totalitários de Alemanha e Itália. Na calorosa recepção na Avenida Rio Branco faltavam 460 homens, dos 25.334 que integraram a Força Expedicionária Brasileira (FEB) enviada à Itália em julho de 1944. Oitenta anos depois, esses heróis lutam para que seus feitos não sejam esquecidos.

Um deles é o capitão Severino Gomes de Souza, mais conhecido como Capitão Souza, de 101 anos. Ele será um dos homenageados pelo Comando Militar do Nordeste (CMNE) em uma cerimônia cívica na próxima quinta-feira (8), quando é celebrado o Dia da Vitória. A solenidade acontecerá a partir das 10h, no monumento em homenagem à FEB, no Parque 13 de Maio, na Boa Vista, área central do Recife. 

Durante a celebração, o CMNE, bem como a sociedade pernambucana, homenageará os "pracinhas" que lutaram na segunda guerra, com destaque para os três ainda vivos, residentes na cidade do Recife, incluindo o Capitão Souza, e aos familiares dos já falecidos. 

Amor à pátria 
Entre os homenageados está o Capitão Severino Gomes de Souza, mais conhecido como Capitão Souza, de 101 anos. Potiguar de nascimento, Severino se alistou para servir ao exército aos 17 anos, movido por um sentimento que, segundo ele, era ensinado nas escolas e vivido no peito: “o amor à pátria".

Dedicado, Severino passou rapidamente para cabo e depois sargento, o que culminou com sua convocação para integrar o 1º Regimento de Infantaria da Força Expedicionária Brasileira, cerca de três anos após o alistamento. No dia 2 de julho de 1977, com outros 5 mil soldados, Souza embarcou no navio americano United States Mann rumo à Itália, sob o constante risco de ataques de submarinos alemães. 

“A minha partida para a família foi um choque. Minha mãe passou a orar todas as noites, fazendo o que eles chamavam à época de um “terço familiar”. Juntava a família inteira e orava por mim. As orações deram resultado. Oração de mãe tem um poder extraordinário”, afirmou o Capitão.

O Capitão Severino Gomes de Souza, mais conhecido como Capitão Souza, de 101 anos. Foto: Davi de Queiroz/Folha de Pernambuco

De acordo com as recordações do veterano, foram quase 15 dias de travessia tensa, até desembarcarem em Nápoles, em 16 de julho. Mesmo sem dominar os idiomas estrangeiros, como o italiano, e com apenas noções de inglês aprendidas no colégio, Severino recorda que as tropas não tiveram dificuldades com relação a comunicação e os treinamentos das tropas aliadas.

Força Expedicionária Brasileira
No dia 29 de novembro de 1944, seu batalhão foi designado para tomar o Monte Castelo - posição estratégica, por onde passavam os mantimentos das tropas inglesas, defendida com ferocidade pelos alemães. 

“No primeiro ataque, a gente não conseguiu. A gente avançava sob bombardeio, e eles nos massacraram com artilharia e metralhadoras, a famosa metralhadora Lurdinha, uma metralhadora alemã que disparava na velocidade de 'mil e poucos' tiros por minuto. Mas depois, em fevereiro de 1945, nós voltamos e conquistamos o Monte Castelo”, contou Souza.

Durante a entrevista concedida à Folha de Pernambuco, o Capitão Souza contou que o nome "Lurdinha" é um apelido dado pelos soldados da FEB à metralhadora alemã MG 42 devido à rápida cadência de tiro da arma de fogo, por lembrar o jeito de falar da noiva de um dos pracinhas, chamada Lurdinha, que gostava muito de falar. “Quando ela começava, não acabava mais”, lembrou, sorrindo.

O capitão também relembrou os companheiros perdidos - 13 oficiais, 439 praças e 8 pilotos da Força Aérea Brasileira, vítimas de tiros, minas terrestres e explosões -, da solidariedade entre os irmãos de farda e das heroínas nos hospitais de campanha.

 “As enfermeiras brasileiras foram heroínas tanto quanto os soldados. Conheci uma, Virgínia Leite, que passou a noite inteira segurando a mão de um combatente ferido, fingindo ser a noiva dele, por quem ele chamava. Anos depois, em um dos nossos reencontros, eles se reencontraram pela primeira vez. Foi um beijo que ficou na minha memória até hoje”, relembrou o veterano.

No dia 29 de novembro de 1944, o batalhão foi designado para tomar o Monte Castelo. Foto: CMNE/Arquivo.

Pós-guerra
Souza só se feriu acidentalmente,  já após o cessar-fogo, ao tentar pegar uma pistola emprestada com um amigo para realizar uma patrulha. O disparo atingiu a mão, o antebraço e o abdômen. Foram 15 dias internado no hospital militar americano de Salsomaggiore. 

Após se recuperar, no período que antecedeu a volta ao Brasil, virou turista. Visitou cidades italianas e foi premiado pelo seu desempenho no combate com uma viagem a Roma, onde teve a oportunidade de apertar a mão do Papa Pio XII e conhecer a Capela Sistina. No entanto, o pracinha lamenta não ter retornado ao país para visitar os monumentos em homenagem à FEB.

“Também o cemitério de Pistóia, onde estão sepultados os nossos soldados, que eu gostaria de ter visitado. Porém, as condições financeiras não permitiram”, lamentou Severino. 

Dia da Vitória
Segundo o Capitão, o retorno ao país foi “apoteótico”. “A população do Rio de Janeiro todinha estava na Avenida Rio Branco, aplaudindo. As moças beijavam os soldados, muitos ficaram com o rosto cheio de batom. Foi uma festa!”, recordou, sorrindo.

O lema “A cobra está fumando”, adotado pela FEB, ecoava entre os soldados como um desafio superado.

“Existia na população, de um modo geral, uma descrença no exército brasileiro. Diziam que era mais fácil uma cobra fumar do que o Brasil mandar tropas para a guerra. Pois a cobra fumou. E mostramos que o Exército brasileiro tinha capacidade”, contou Severino, com orgulho.

Porém, para o Capitão Souza, o tempo fez com que o brilho daquela vitória se apagasse na memória nacional.

 “O reconhecimento durou pouco. Em seguida veio o esquecimento. Mas hoje, graças ao esforço do Exército, nós voltamos a ser lembrados”, destacou o pracinha.

O lema “A cobra está fumando”, adotado pela FEB, ecoava entre os soldados como um desafio superado. Foto: CMNE/Arquivo

Aos 101 anos, Severino carrega até hoje as marcas dos dias de pressão, dos conflitos e dos amigos perdidos em combate. Segundo o capitão, que sofre de ansiedade, ele ainda sonha com os combates.

“As cenas não se apagam. Até hoje sonho com os amigos, com as batalhas. Isso ainda me incomoda muito. Ficou no meu subconsciente”, contou. 

Ao final da entrevista, o veterano fez um apelo.

“Amem esse Brasil. Lutem por ele, pela organização, pela harmonia. Porque se um faz e o outro desmancha, o Brasil não vai para a frente. Nós éramos para ser um país muito melhor. Mas nos deixamos explorar e convencer por ideologias horríveis. Eu conheci isso de perto. Por isso digo: nunca se esqueçam do que fizemos. Nunca se esqueçam dos feitos das tropas brasileiras”.